quinta-feira, 21 de julho de 2016

Segurança e privacidade em questão no WhatsApp – Editorial / O Globo

• Estados nacionais e empresas globais de tecnologia precisam se entender, para superar o conflito entre interesses corporativos e direitos individuais e coletivos

O terceiro bloqueio judicial do aplicativo de comunicação WhatsApp, desde dezembro, afetou, mais uma vez, cerca de 100 milhões de usuários, quase a metade da população brasileira, com prejuízos pessoais e profissionais a todos. Novamente, um juiz de primeira instância decreta a suspensão do serviço da empresa americana Facebook, pelo não atendimento a uma ordem de quebra de sigilo. Agora, o apagão partiu de determinação da juíza Daniela Barbosa, da 2ª Vara Criminal de Caxias, porque não foi atendida a ordem de quebra de sigilo de algumas contas, numa investigação criminal.

Tudo compreensível. Porém, como nos casos anteriores, a companhia alega ser impossível esta espécie de grampo, pelo fato de a tecnologia do WhatsApp criptografar as mensagens de ponta a ponta, o que as tornaria indevassáveis. A não ser que se apreendam os próprios aparelhos. Uma vantagem para os usuários, e um problema para a segurança pública e nacional. Como conciliar todos os interesses?


A questão vai muito além das fronteiras da tecnologia, por envolver um conflito entre o direito constitucional à privacidade e as imprescindíveis ações legais de vigilância e repressão do Estado, na defesa também de direitos constitucionais da sociedade. Duro conflito, mas que precisa ser discutido e equacionado, e não apenas no Brasil.

Não faz muito tempo, o FBI recorreu à Justiça, para que a Apple abrisse a caixa postal do aparelho iPhone de terroristas que atacaram na cidade de San Bernardino, na Califórnia, em dezembro do ano passado. Sem êxito. A empresa se defendeu com o argumento de que colocaria em risco a segurança de milhões de iPhones existentes no planeta, até que o FBI pagou a hackers para quebrar o cadeado eletrônico do telefone. Teve sucesso, antes de algum desfecho judicial. Fazia sentido a preocupação da Apple. Mas ficou visível o choque entre a Lei e novas tecnologias digitais.

No imbróglio brasileiro do WhatsApp, chocam-se a ação contra a criminalidade e o desmedido efeito colateral da atitude do juiz: prejudicar 100 milhões de pessoas, a segunda maior comunidade do mundo reunida em torno deste serviço.

Este último apagão acabou cinco horas depois, porque o presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, de plantão na Corte, suspendeu o ato da juíza, com o sensato argumento de que, além de desproporcional, a medida contrariou os princípios da liberdade de expressão e de pensamento, garantidos pela Constituição e absorvidos pelo Marco Civil da Internet.

Mas nada está resolvido. Nem estará com a decisão do governo Temer, anunciada pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de propor projeto lei para obrigar as empresas a prestar informações requeridas pela Justiça. Há, ainda, na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, da Câmara, um projeto de lei que proíbe a suspensão de qualquer serviço de troca instantânea de mensagens.

Corre-se em círculos, se de fato houver uma barreira tecnológica intransponível para acessar as comunicações de usuários específicos. E simplesmente proibir punições judiciais às empresas é ajudar criminosos. Parece evidente a necessidade de um entendimento entre Estados nacionais e empresas globais de tecnologia, para que a privacidade continue a ser protegida, mas que determinações judiciais não deixem de ser cumpridas, em nome da segurança da sociedade. Se não, tudo ficará na mesma, enquanto volta e meia milhões de usuários serão punidos, ao passo que criminosos em geral e terroristas em particular continuarão a agradecer a falta de diálogo entre as partes.

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