quarta-feira, 27 de julho de 2016

Viver de ilusões - Merval Pereira

- O Globo

Já era tempo de os políticos aprenderem que jogadas de marketing gratuitas são contraproducentes, pelo menos num momento como o país vive, com alta taxa de desemprego, que não deve decrescer tão cedo, e um índice resiliente de inflação. Pois não é que o presidente interino, Michel Temer, resolveu usar a família para um golpe publicitário, e foi buscar o filho na escola, cercado de assessores e seguranças, e avisou a imprensa?

O resultado foi um tumulto na frente da escola em Brasília, e um frustrado movimento para “humanizar” a imagem do presidente interino, que serviu apenas para mostrá-lo como político do velho estilo, que não recusa um papel desses para parecer bom pai.

Um exemplo de político moderno, que não teve nenhum acidente desses nos quase oito anos de mandato, é o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Não se ouve falar de um escândalo familiar dos ocupantes da Casa Branca, as filhas e a mulher Michelle estão sempre na mídia, mas de maneira bastante discreta e natural.

O ponto crucial está aí, na naturalidade dos atos e dos gestos cotidianos. Se, como ele mesmo admitiu aos jornalistas, somente ontem iria à escola buscar Michelzinho, para que então quis chamar a atenção para um ato completamente fora de sua rotina diária?

Qual o significado de ir buscar o filho diante das câmeras, se esse não é um ato cotidiano seu? É igual a chamar a imprensa para acompanhá-lo andando de ônibus, ou de trem, para ir a algum lugar. Se não pode repetir o gesto naturalmente no dia a dia, como fazem os ministros suecos, por que chamar a atenção para um fato anormal como se ele representasse um hábito de circular entre os populares, ou mesmo entre os pais dos coleguinhas de seu filho?

Será que a prisão do marqueteiro João Santana não quer dizer nada para os políticos brasileiros? Ninguém entendeu ainda que criar mundos fantasiosos que escondem as mazelas nacionais já não é aceitável num país que está mudando muito, apesar dos pesares?

O caso da Olimpíada é exemplar, a começar pela tentativa de autoridades locais de naturalizar os problemas, como se eles não pudessem ser evitados. Eles são a explicitação da má gestão do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), mas ninguém quer admitir as falhas.

Da mesma maneira, nenhum dos ex-presidentes brasileiros está disposto a aparecer na tribuna de honra do Maracanã na cerimônia de abertura. Deixaram a vaia, quase certa, para Michel Temer.

A presidente afastada, Dilma Rousseff, arranjou uma boa desculpa: diz que não quer aparecer em lugar secundário num evento que ela e o ex-presidente Lula ajudaram a trazer para o Brasil. Também o ex-governador Sérgio Cabral, outro responsável pelo evento, não deve aparecer por lá.

Somente Temer e o prefeito Eduardo Paes, por dever de ofício, vão se expor às vaias, que sem dúvida são apartidárias nesta polarização política que domina o país. Esses são sinais de nossa decadência política, que gera decisões populistas como trazer a Copa do Mundo e a Olimpíada para o país, sem que tivéssemos condições de promover esses eventos internacionais.

Construir o básico do país em todos os setores deveria ser nossa prioridade, e não viver de criar ilusões, que um dia se esfacelam diante da realidade. Pode até ser que, assim como aconteceu na Copa, os dias de competição corram sem problemas. Mas, até agora, os percalços foram muitos para receber as delegações estrangeiras com um mínimo de condições.

O que importa mesmo para o país é o depois desses megaeventos, mais que o seu decorrer, que pode transcorrer isento de transtornos (se Deus quiser). Os elefantes brancos que ficam pelo caminho, como os estádios de futebol vazios e o campo de golfe “popular”, é que são elas.

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