- O Globo
Uma das frases mais conhecidas sobre política é a do ex-senador e ex-governador mineiro Magalhães Pinto, que comparava sua volatilidade à das nuvens, que mudam de configuração a cada momento. Nada melhor para definir as posições mutantes do presidente interino, Michel Temer, e da presidente afastada, Dilma Rousseff, neste momento.
Temer, que se dizia preparado para as vaias que de fato recebeu na abertura dos Jogos Olímpicos no Rio, desistiu de ir ao encerramento, já prevendo que será vaiado novamente. Dilma, que já anunciara que não compareceria à sessão no Senado de seu julgamento, temendo enfrentar as perguntas da situação, decidiu que irá.
Michel Temer comete um gafe diplomática, pois é tradição que o presidente do país que realiza a Olimpíada transmita simbolicamente a missão ao dirigente do país que sediará a próxima edição, desta vez o Japão, em 2020. Para tanto, o primeiro-ministro Shinzo Abe estará no Rio no domingo, e receberá no Maracanã do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, o bastão simbólico da Olimpíada.
A vaia que certamente seria direcionada a Temer, o será a Maia, que pagará assim o mico presidencial neste momento conturbado da vida política nacional, uma espécie de taxa de insalubridade que lhe permitirá assumir o cargo de presidente interino quando Temer viajar ao exterior.
A decisão de Temer de não comparecer ao estádio — como dizia Nelson Rodrigues, no Maracanã se vaia até minuto de silêncio — é um erro político inexplicável. Ele abre mão das obrigações do cargo que ocupa para se preservar, criando uma imagem de fragilidade que não ajuda na tarefa árdua que terá quando assumir definitivamente a Presidência da República.
Não há uma explicação razoável para a sua falta, ainda mais quando ela cria até mesmo embaraços diplomáticos. Os cerimoniais das duas chancelarias estão tentando montar um encontro entre Temer e Abe fora das vistas do público, para minimizar a consequência da decisão do presidente brasileiro, que mais parece um adolescente malcriado do que um experiente político que tem noção das suas responsabilidades.
Já a presidente afastada fez muito bem, de seu ponto de vista, em mudar de ideia. Sua ausência na sessão do Senado corroboraria a imagem de fraqueza pessoal, justamente o que ficará colado à imagem do presidente interino.
Dilma está tentando reescrever sua história, montando uma narrativa heroica para o que não passa de uma situação normal em democracias maduras. Seu impedimento é resultado de burlas específicas à legislação brasileira, e mostra que nenhum político, por mais popular que seja — não é seu caso — ou por mais votos que tenha tido, não tem o direito de presidir o país sem obedecer às leis.
Mas ela insiste na tese do golpe parlamentar, e é essa visão que estará registrada no livro que pretende escrever, no documentário que está sendo feito por seguidores seus e que está na carta que divulgou recentemente. Não importa se ninguém, além dos militantes da esquerda no Brasil e no exterior, acredita nisso, para ela o importante é seguir nessa toada até o final, quando, perdidos os direitos políticos por oito anos, estará relegada a um rodapé da História brasileira.
Só será protagonista quando se contar o descalabro ocasionado por seus anos de governo, que colocaram o país na pior recessão econômica já registrada em toda nossa História, e no caos político em que vivemos. Dilma terá na sessão do Senado oportunidade de exercitar mais uma vez o papel de perseguida política, de uma mulher honesta que está sendo condenado por um bando de corruptos que, aliás, fizeram parte de seu governo até outro dia.
Se der sorte, e os governistas não forem cuidadosos em seus questionamentos, poderá repetir a cena de quando, acusada pelo líder do DEM, Agripino Maia, de ser mentirosa com base em declarações em que admitia ter mentido muito a seus interrogadores quando esteve presa, teve um momento de brilho político ao transformar em um bumerangue a acusação.
É improvável que um imprevisto mude o resultado do julgamento, mas, para Dilma, ir até o fim na defesa de seus pontos de vista é uma saída melhor do que se esconder. Mesmo que sua versão da História não resista às delações premiadas do marqueteiro João Santana e do empreiteiro Marcelo Odebrecht, entre outros, que a estão culpando de diversos atos de corrupção, que ainda serão cobrados pela Justiça.
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