Por Raphael Di Cunto – Valor Econômico
BRASÍLIA - As campanhas municipais começam com a reclamação geral dos candidatos sobre a falta de dinheiro. Mas, antevendo os problemas de financiamento dos gastos com doações de empresas, partidos políticos fizeram no ano passado uma reserva de R$ 259 milhões para investir na eleição de seus principais candidatos, mostra levantamento feito pelo Valor no Tribunal Superior Eleitoral. Além desses recursos, o Fundo Partidário distribuirá R$ 819 milhões a 34 partidos neste ano.
Embora insuficiente para pagar todas as campanhas no país - a eleição de 2014 custou R$ 5 bilhões -, a reserva terá papel preponderante nas disputas municipais, avaliam especialistas. "Quem poupou parte do fundo terá isso como diferencial em relação aos concorrentes", diz Antônio Queiroz, diretor do DIAP.
O levantamento mostra que os percentuais da poupança variaram de 2,6% no PCO, que só guardou R$ 177 mil, até 65% no PRB, partido dos líderes nas pesquisas às prefeituras do Rio, o senador Marcelo Crivella, e de São Paulo, o deputado Celso Russomanno. Serão R$ 26 milhões para apoiar seus candidatos, fora o dinheiro do fundo que entrou em 2016.
Fundo de 2015 socorre campanhas de 2016
Enquanto políticos de todo o país reclamam da falta de recursos para as campanhas municipais -as primeiras sem doações de empresas em duas décadas-, os partidos fizeram uma reserva de R$ 259 milhões no ano passado para investir na eleição de seus candidatos, mostra levantamento do Valornas prestações de contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O dinheiro se soma aos R$ 819 milhões que serão distribuídos neste ano a 34 siglas, após manobra que triplicou o Fundo Partidário nos últimos 24 meses. Foi um período marcado por escassez de doações por causa da operação Lava-Jato -que prendeu presidente e executivos de algumas das maiores empresas do país- e da proibição, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que pessoas jurídicas contribuam financeiramente.
Nem todo esse montante será usado nas eleições, e os recursos são insuficientes para pagar todas as campanhas do país -a eleição nacional e estadual de 2014 custou R$ 5 bilhões, por exemplo. Mas a reserva terá papel importante nas disputas municipais, avaliam políticos e especialistas. "Quem poupou parte do fundo terá isso como diferencial em relação aos concorrentes", diz Antônio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Levantamento do Valor mostra que todos os partidos ficaram no azul no ano passado, mas legendas maiores, como PT e PMDB, fizeram uma provisão menor de recursos -e, somado a isso, ainda têm mais candidatos a sustentar que legendas menores. Em média, 33% do dinheiro que saiu dos cofres públicos direto para o caixa dos partidos ficou guardado para ser usado na eleição deste ano.
O PMDB, partido do presidente interino, Michel Temer, poupou apenas 10,8% de sua receita total no ano passado. Terá R$ 10,8 milhões para gastar na campanha, fora o volume de recursos que entrará no caixa este ano. O presidente em exercício da sigla, senador Romero Jucá (RR), foi o responsável por triplicar o fundo ao relatar o Orçamento de 2015, prática repetida em 2016.
O PT é o que mais recebe -95% do fundo é distribuído de acordo com o número de votos para a Câmara dos Deputados. Da receita de R$ 144 milhões, contudo, sobraram apenas R$ 8,8 milhões, cerca de 6%. O tesoureiro petista, Márcio Macedo, justifica que a legenda tem vida partidária muito intensa, com reuniões e congressos que consomem recursos. "Não temos foco apenas nas eleições", afirma.
O PT precisou readequar despesas no ano passado, informa, e não houve condições de fazer poupança significativa. "Acreditamos que nossos candidatos irão resgatar as campanhas baseadas no esforço dos militantes e no corpo-a-corpo com os eleitores."
Os percentuais da poupança variaram de meros 4% -o do Partido da Causa Operária (PCO), que guardou apenas R$ 177 mil dos R$ 4,4 milhões que recebeu em 2015 - até 65%, caso do PRB, dos líderes nas pesquisas no Rio de Janeiro, senador Marcelo Crivella, e em São Paulo, o deputado federal Celso Russomanno. Serão R$ 26 milhões para apoiar seus candidatos, fora o dinheiro do fundo que entrou em 2016.
Proporcionalmente, partidos menores, como PSL, Pros, PRTB, PTN, PMN e PSDC, estiveram entre os maiores poupadores. Embora nominalmente sejam quantias menores na comparação, entre R$ 2 milhões a R$ 4 milhões, é um volume de recursos significativo para apoiar candidaturas das cúpulas partidárias em um cenário de subfinanciamento.
Terceira sigla que mais recebe do fundo, o PSDB também preferiu economizar. Terá R$ 37 milhões para gastar nesta eleição (33% de sua receita). Dois partidos médios da base do presidente interino, Michel Temer, aprofundaram a estratégia: o PP poupou R$ 27 milhões (48%), e o PR, R$ 29 milhões (57%). Foram as duas agremiações que mais cresceram na Câmara na janela de troca de partido. Já o PSD, que perdeu espaço entre as maiores bancadas, separou apenas R$ 11 milhões (21%).
As eleições municipais são vistas como caminho para eleger mais deputados em 2018 -quando mais prefeitos, mais candidatos competitivos e votos o partido tende a conseguir na eleição nacional e, com isso, ampliar sua fatia do fundo.
Na opinião de dirigentes partidários ouvidos pelo Valor, só há três formas de fazer campanhas com mais estrutura nesta eleição e, consequentemente, aumentar as chances de vitória: o candidato ser rico -não há restrições ao autofinanciamento-, o partido investir o fundo para eleger seus principais líderes ou recorrer ao caixa dois, o que é ilegal.
"Como no Brasil há uma resistência muito grande de pessoas físicas doarem, o único dinheiro limpo será o do fundo partidário", diz o secretário-geral do DEM, deputado Onyx Lorenzoni (RS). "Começamos a poupar quando vimos que o Supremo tornaria inconstitucionais as contribuições de empresas", explica. O partido reservou R$ 16,6 milhões dos R$ 37 milhões que recebeu no ano passado.
Se a estratégia pode render frutos eleitorais, a destinação do fundo partidário para custear campanhas eleitorais é criticada por cientistas políticos por desviar a finalidade inicial dos recursos: custear a doutrinação política, formação de militantes, discussão de programa e promoção de políticas para segmentos da sociedade, como mulheres.
"Haverá prejuízo ao fortalecimento do partido como elemento conscientizador do seu programa e ideologia", afirma Antônio Queiroz, do Diap. Uma mudança promovida na reforma política aprovada pelo Congresso ano passado -e relatada pelo deputado que hoje preside a Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)-, dá sinais disso: o que não for gasto pela fundação dos partidos (que por lei recebe 25% do fundo) poderá ser usado para outros fins no ano seguinte.
Senadores discutem forma de limitar acesso a recurso
Com o Fundo Partidário como um dos principais ativos para a campanha municipal que começou na terça-feira, cresce no Congresso Nacional a defesa de uma reforma eleitoral para reduzir o número de partido que terá acesso aos recursos milionários. Em 2016, são R$ 819 milhões distribuídos entre 34 legendas.
O debate ressurgiu com proposta de emenda à Constituição (PEC) dos senadores tucanos Ricardo Ferraço (ES) e Aécio Neves (MG) para estabelecer uma cláusula de barreira. A matéria é relatada pelo líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), também do PSDB.
Pela proposta, as legendas que não alcançarem no mínimo 2% dos votos válidos em 2018 perderiam o direito ao fundo e ao tempo de propaganda na TV e rádio.
Se esse percentual fosse aplicado aos votos para a Câmara dos Deputados na eleição de 2014, o número de partidos com direito a esses benefícios cairia de 32 para 17 -cálculo que não inclui as três legendas fundadas ano passado. Dos partidos mais tradicionais, apenas o PSOL ficaria abaixo da linha de corte, pois teve 1,8% dos votos. PCdoB, PPS, PV e Pros correriam mais risco, registrando 2,0% dos sufrágios.
Quem fosse eleito por agremiação que não recebeu votos suficientes poderia trocar de sigla sem perder o mandato. A partir de 2022, a barreira subiria para 3% -só 11 legendas tiveram mais votos que isso há dois anos.
"A ideia é organizar o sistema partidário, mas é lógico que a falta de recursos é um estímulo. É bem melhor dividir o bolo por cinco do que por 34 ou 40, já que tem outros partidos na fila de fundação", afirma Ferraço.
Na avaliação de tucanos, a discussão deste ponto da reforma política separadamente dos demais facilitará a aprovação. "Ou você, ao tentar construir consenso em torno de vários temas, acaba criando atritos sobre outros", diz o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbasahy (BA).
Junto com a cláusula de barreira cresce o debate para acabar com as coligações proporcionais, em que os votos de vários partidos com ideologias diferentes se somam para eleger deputados que, depois, terão atuação distinta no Legislativo. Por exemplo: quem votou no PT em Minas Gerais ajudou a eleger deputados do PMDB, que apoiaram o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff.
Partidos nanicos se aproveitam dessa brecha para concentrar a campanha em candidatos mais competitivos e, com os votos da coligação, eleger seus representantes para a Câmara.
Isso, aliado à onda de criação de novas siglas, fez saltar de 22 para 28 o número de partidos com representação na Câmara na atual legislatura -quantidade se alterou com o troca-troca de deputados e a criação de três partidos. Hoje são 27.
As iniciativas para acabar com as coligações enfrentam resistência do bloco de partidos pequenos e médios que se beneficiam do sistema. Ao aprovar a reforma eleitoral no ano pasado, a Câmara tentou avançar sobre o tema, mas esbarrou em acordos entre os partidos. O máximo que foi feito foi dar mais vagas aos partidos que concorrem sozinhos do que aos coligados, diminuindo assim a atratividade dessas alianças.
Para o líder do DEM, Pauderney Avelino (AM), a resistência ao fim das coligações pode ser vencida em parte das bancadas com o instituto da federação de partidos. Nesse modelo, agremiações com ideologias parecidas que decidem atuar juntas nacionalmente precisam manter a aliança no Congresso Nacional durante toda a legislatura.
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