sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Aprovar PEC dos gastos será o batismo de fogo para Temer – Editorial / Valor Econômico

As dificuldades para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que limita os gastos da União à variação da inflação do ano anterior começaram a entrar no horizonte, à medida que o impeachment da presidente Dilma Rousseff tornou-se praticamente certo. A fórmula engenhosa, e já politicamente flexível em sua concepção, da PEC traz uma importante e forte trava nas despesas públicas futuras. Será o primeiro grande teste para o governo já efetivo de Michel Temer, que exigirá uma clara demonstração de unidade política dos partidos que o apoiam, algo que ainda está para ser visto.

A PEC não pode admitir exceções e precisa ser complementada por pelo menos outra reforma vital, a da Previdência, para que possa ser viável sem grandes confrontos políticos. Os primeiros passos da tramitação foram recebidos com ensaios de resistência e cogitações de emendas que visam pontos vitais da proposta, os gastos com educação e saúde, que hoje têm vinculações constitucionais. Ao corrigí-los apenas pelo IPCA, o governo mantém a fatia proporcional destes gastos no orçamento atual, mas a contém em relação à evolução positiva das receitas futuras, que autorizariam o seu aumento, pelo sistema vigente.


Como esses gastos obrigatórios, mais os previdenciários, compõem mais de dois terços do orçamento, é por aí em grande medida que o governo pretende dar um rumo mais racional ao conjunto das despesas públicas. Formalmente, essas rubricas podem furar a regra, desde que o Congresso remaneje verbas e faça cortes em outras áreas. Na prática, não há muito onde cortar, como os parlamentares logo se darão conta.

A PEC dos gastos inverte também a lógica de negociação do orçamento no Congresso, onde receitas e despesas foram até hoje tratadas sem muito rigor, como parte de uma conta de chegar, onde as primeiras costumam ser superestimadas para acomodar um excesso de demandas e o controle dos dispêndios, muito desgastante, acabava sendo feito na boca do caixa do Tesouro. Agora, há chance de mais transparência, com a estimativa de receitas tornando-se inócua para o Congresso, que pela própria e livre vontade, terá seus pleitos contidos pela regra rígida de correção das despesas pela inflação.

O governo interino foi politicamente hábil na construção de um caminho para o reequilíbrio das contas públicas. Não há nada que o obrigue a cortar os gastos atuais, que terão seu valor preservado - com o montante das despesas em seu pico. Isso permitiu a aceitação de aumento de despesas que a péssima situação fiscal não recomendaria, como o reajuste dos salários do funcionalismo público e de sua elite, e a abdicação de receitas na renegociação das dívidas dos Estados.

Como alguns analistas apontaram, os mercados pressionam por ações contundentes e imediatas que não levam na devida conta o momento político. Temer pilota transição tormentosa, em pleno desenvolvimento da maior operação contra a corrupção da história recente, com a economia em frangalhos e um Congresso de elevada dispersão partidária. Em entrevista ao Valor, o próprio presidente interino frisou este ponto, ao reiterar que há três Poderes e que o Executivo é um deles, que não controla, nem deve, os outros dois.

O momento político, porém, explica a contemporização presente de um governo não efetivado. Mas há preocupação sobre se o presente já não está se insinuando no futuro de um governo que deixará o interinato. Negociador por ofício e temperamento, a ponto de lhe ser atribuído o defeito da indecisão, Temer terá em futuro próximo de encarar confrontos com os parlamentares. A negociação é um método e não um fim em si mesmo, e o governo terá de delimitar um território a partir do qual não poderá mais conceder em questões vitais.

É nesse ponto que se concentra o temor dos investidores e é por isso que a PEC pode ser a batalha inaugural ou, até certo ponto, a final, do governo Temer. A vitória sem baixas na PEC dos gastos dará a flexibilidade suficiente para que o governo possa trabalhar com alguma tranquilidade em um ambiente econômico já não mais recessivo. Terá de fazer mais para acelerar o equilíbrio das contas. No caso de derrota, o governo ficará paralisado e acuado pelo resto do mandato e a tarefa de controlar os gastos públicos voltará a depender de medidas casuísticas e da perícia do ministro da Fazenda.

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