• Interino quer se diferenciar da forma de Dilma governar
- Valor Econômico
Diante de "armadilhas" que sua equipe encontra desde que assumiu interinamente a Presidência e ciente da forma de governar que agrada políticos e investidores, Michel Temer tenta preparar a máquina federal para entregar o melhor resultado possível no diminuto tempo útil que restará entre o momento em que o Senado decidir interromper de forma definitiva o mandato de Dilma Rousseff e o início da campanha eleitoral de 2018.
Nesse sentido, dois episódios recentes exemplificam a maneira de governar de Dilma, da qual a gestão Temer busca se afastar.
No dia 12 de maio, poucas horas depois de o Senado acolher o processo de impeachment e antes de Temer poder publicar a sua primeira edição do "Diário Oficial da União", o pedido de reparação que Dilma apresentou à Comissão de Anistia pelo que passou na época da ditadura militar voltou a tramitar. A demanda foi protocolada em 2002 no colegiado, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Desde fevereiro de 2010, quando o PT oficializou o lançamento da candidatura à Presidência da então ministra da Casa Civil, o processo foi suspenso. Como a ideia era evitar uma contaminação do caso por questões eleitorais, ele ficou parado por decisão do próprio gabinete do ministro da Justiça.
Não há prazo para a análise do caso. Mas, uma vez que o Estado decidiu compensar as vítimas daquele período, é inegável que Dilma tem todos os motivos para receber uma reparação. A maneira que o processo voltou a entrar na fila da Comissão de Anistia, no entanto, não deixou de chamar a atenção. Afinal, qualquer comentário do governo interino sobre a questão poderia alimentar os ataques de quem considera o impeachment um atentado à democracia.
Esse primeiro episódio demonstra o modo como a petista e seus auxiliares deixaram o governo. Despacharam de última hora, antes da decisão do Senado de abrir o processo contra Dilma e afastá-la do cargo, o maior número possível de medidas. A iniciativa teve dois objetivos. Primeiro, garantir que essas ações não fossem ignoradas por Temer e sua equipe - mesmo que a própria administração Dilma Rousseff as tivesse deixado em banho-maria. Em paralelo, caso o novo governo assumisse cancelá-las, teria que assumir o risco político e o ônus de explicar-se à sociedade.
O outro episódio foi a disposição de Dilma enviar uma carta aos senadores para convencê-los de que não cometeu crime de responsabilidade e, portanto, deveria retornar a seu gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto. Semanas se passaram sem que o texto fosse divulgado. A ideia passou a ser criticada por petistas. O uso da palavra "golpe" gerou polêmica, assim como a possibilidade de a missiva defender a inócua ideia de se antecipar eleições gerais.
Como pano de fundo, a discussão que ganhou corpo foi se o texto deveria ser transformado num manifesto público a fim de fortalecer a narrativa segundo a qual Dilma foi destituída do cargo sem embasamento jurídico ou se a tal carta tinha que ser apenas um instrumento voltado a tentar reverter o placar desfavorável que se desenha no Senado. Na prática, porém, o episódio pode ser visto como uma alegoria de como Dilma sempre adiou a tomada de decisões estratégicas, exasperando agentes econômicos e autoridades de sua administração responsáveis pela formulação de políticas públicas.
Uma das brincadeiras que circulavam no Palácio do Planalto no primeiro mandato de Dilma era sobre o uso que se deu às mesas de trabalho projetadas por Oscar Niemeyer para o gabinete pessoal do ex-presidente Juscelino Kubitschek. São duas mesas retangulares e independentes de madeira, que, juntas, ajudavam JK a garantir a dinâmica desejada em determinada reunião.
Numa audiência com diversos ministros, por exemplo, as duas peças poderiam ser dispostas em linha, formando uma longa mesa de reuniões. Em "T", teriam o formato ideal para o presidente assistir um debate entre dois grupos antagônicos.
Funcionários do Planalto contam que Niemeyer projetou assim as peças porque, na sua opinião, um presidente também não deveria ter gavetas em sua mesa de trabalho. Esses objetos, no entanto, não eram usados por Dilma em seu gabinete. Haviam passado a fazer parte da decoração dos salões do palácio.
O presidente interino deu alguns sinais de que JK é uma de suas referências. Há duas semanas, recebeu no Planalto um dos mais próximos assessores de Juscelino. Ex-subchefe do Gabinete Civil da Presidência, o coronel Affonso Heliodoro tem cem anos de idade e é considerado o único integrante do círculo mais próximo a JK ainda vivo. No encontro, Heliodoro lembrou que JK definiu uma programa de metas para seu governo e acompanhava a execução desses 30 objetivos - além da construção de Brasília - diariamente. O então presidente tinha um Conselho de Desenvolvimento para ajudá-lo a levar seu programa de governo adiante. Acabou conseguindo passar para a história como responsável por fazer o Brasil obter 50 anos de progresso em cinco anos de realizações.
O governo interino estuda diversas medidas para melhorar a gestão e o acompanhamento das políticas públicas. Conta também com uma secretaria para fazer deslanchar obras de infraestrutura, concessões, privatizações e parcerias público-privadas a partir do dia 25 - não à toa justamente quando o Senado iniciar o julgamento final de Dilma.
Apesar de algumas dificuldades no Congresso para acelerar as prioridades de sua administração, Temer já adiantou quais devem ser suas principais metas, ao citar reformas estruturais e um esforço para destravar investimentos e "recolocar o país nos trilhos". Quer garantir que o Executivo esteja pronto para operar a pleno vapor, apesar de o calendário eleitoral não ajudar. Seja qual for o uso que dará às mesas de trabalho de JK depois de o Senado concluir a análise do processo de impeachment de Dilma, Temer não poderá se dar ao luxo de deixar que suas gavetas comecem a lotar.
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