segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A centro-direita não tem pressa - Marcos Nobre

- Valor Econômico

• Uma trégua tensa vigora no campo à esquerda

Até 2014, parecia que tinha se tornado parte da paisagem política a polarização entre uma candidatura de centro-direita e outra de centro-esquerda. A partir da eleição de 1994, o PT conseguiu se firmar como líder inconteste da esquerda, o que se confirmou na eleição seguinte, em 1998, com a chapa Lula-Brizola. Em 2002, o PT estendeu sua hegemonia para o campo da centro-esquerda, o que foi simbolizado pela chapa Lula-José Alencar.

As eleições municipais ainda em curso já mostraram que essa polarização deixou de ser uma evidência. Apesar de muitas cidades terem segundos turnos com a presença de candidaturas de esquerda e de centro-esquerda, essa presença não mais se confunde com o PT, direta ou indiretamente. Dominam os cenários em que mesmo candidaturas competitivas de esquerda e de centro-esquerda podem não conseguir lugar em um segundo turno (como aconteceu em Porto Alegre). Mesmo quando conseguem o segundo lugar na votação, podem ser derrotadas em primeiro turno (como aconteceu em São Paulo).

Essa situação explica em boa medida o que está acontecendo hoje no campo da centro-direita. Em 1989, a grande quantidade de candidaturas competitivas fez com que a concentração de forças nos dois polos que foram ao segundo turno ocorresse a uma ou duas semanas da eleição. A concentração de votos em Fernando Collor na reta final lhe deu os 28% necessários para terminar em primeiro lugar. Lula garantiu sua vaga no segundo turno com 16% dos votos, coisa de 0,5% a mais do que o terceiro colocado, Leonel Brizola.

Em 1994, o esforço concentrado do campo da centro-direita na candidatura de FHC se deu bem cedo, ainda no período de implantação do Plano Real. Isso aconteceu em grande medida porque Lula era favorito destacado para vencer a eleição. Foi a constituição do polo de esquerda que garantiu as condições para a formação da aliança entre PSDB-PFL que elegeu FHC. Nada une mais um campo político do que um adversário com musculatura eleitoral no outro campo.

A atual ausência de coesão à esquerda permite que a centro-direita deixe para 2018 a definição sobre seu real polo aglutinador. Não há por que decidir a disputa entre os pretendentes desde já, o que seria um imperativo se um polo competitivo de esquerda ou de centro-esquerda já tivesse se constituído. O novo quadro posto pelo impeachment e pelos resultados das eleições municipais tornou realista um cenário de segundo turno em 2018 com duas candidaturas de centro-direita. Ou mesmo, como no caso da eleição peruana recente, um segundo turno disputado entre uma candidatura de centro-direita e outra de extrema direita.

A partir do momento em que o impeachment foi aceito, em dezembro de 2015, o PT lançou mão uma vez mais do recurso de forçar a identificação do partido com o campo da centro-esquerda. Buscou fazer com que a defesa do mandato de Dilma Rousseff fosse identificada a uma defesa do PT e do legado de 13 anos de governo. A identificação só funcionou de fato para os adversários e inimigos. Para grande parte de quem foi à rua para se opor ao impeachment de Dilma Rousseff não se tratava de defender seu governo, mas de defender o próprio campo da esquerda e da centro-esquerda contra o que se entendia ser uma ofensiva de aniquilação por parte do campo da direita e da centro-direita. E essa defesa já não aceitava nem pressupunha a identificação desse campo com o PT.

Foi dessa maneira um tanto paradoxal que o PT perdeu a posição de líder inconteste do campo da esquerda e da centro-esquerda. Do lado da esquerda, o PSOL já mostrou que pretende essa posição. Do lado do centro, o PDT não se cansa de dizer que agora é a vez dele de liderar o campo da centro-esquerda. De todos os lados, forças de esquerda e de centro-esquerda já deixaram claro que qualquer ação em defesa de Lula não significará aceitar a identificação entre Lula e o campo político a que pertencem. Qualquer ação nesse sentido só poderá contar com todas as forças envolvidas se tiver o mesmo caráter do movimento em defesa do mandato de Dilma Rousseff. Defesa de um campo e não de um governo ou de uma liderança, muito menos defesa do PT.

No campo da esquerda e da centro-esquerda, sequer se formou uma efetiva frente de oposição ao governo. Na ausência de um polo eleitoral definido desde já na centro-direita (definição prematura, que não interessa a esse campo no momento), uma frente oposicionista seria um primeiro passo para a reaglutinação de forças no campo de esquerda e de centro-esquerda. Mas mesmo essa unidade negativa parece hoje frágil, apesar dos sucessivos tiros no próprio pé do governo Temer. No campo da esquerda e da centro-esquerda vigora uma trégua tensa que se encerrará com o segundo turno das eleições municipais. Depois disso, a tendência é hoje de rachas internos aos partidos e de lutas entre os partidos pela hegemonia do campo.

Também porque hegemonia não se mede apenas em termos de quantidade de votos, cargos ou tempo de propaganda na TV. A liderança do PT da esquerda e da centro-esquerda foi construída ao longo de mais de 30 anos de redemocratização. Tem gente no campo da esquerda disposta a tentar repetir o longo caminho do PT, respirar fundo e topar um novo desafio de três décadas. Tem gente no mesmo campo que diz que é ilusão perigosa pensar que se voltou aos anos 1980 quando tanta água política já rolou embaixo da ponte de Temer.

Quem está mais ao centro do campo considera risível a espera. Pretende apenas recolher o espólio que puder dos escombros e partir para uma candidatura com potencial de chegar ao segundo turno em 2018, com o objetivo de pelo menos se firmar como um dos polos aglutinadores para as eleições seguintes. À sua maneira, também essa tática pretende repetir o PT, mas unicamente do ponto de vista eleitoral. Aposta que, chegando ao segundo turno da eleição em 2018, uma força de centro-esquerda vai se estabelecer como polo das eleições subsequentes, obrigando o restante das forças políticas do campo a se aglutinarem em torno dela ou se colocarem fora do jogo eleitoral.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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