• Parlamentares da base e da oposição não querem aprovar a toque de caixa a nova lei de abuso de poder
Maria Lima - O Globo
-BRASÍLIA- Não é bem-vista no Senado a disposição do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), de apressar a tramitação do projeto de sua autoria que altera e torna mais rígida a lei sobre crimes de abuso de responsabilidade cometidos por agentes dos três poderes (especialmente autoridades policiais e membros do Ministério Público). A ideia de Renan é fazer a proposta andar paralelamente à PEC da Reforma Política, intenção criticada por parlamentares da base e da oposição.
Nem mesmo a prisão de agentes da Polícia Legislativa do Senado, sexta-feira, demoveu os senadores da posição contrária à agilização da análise da matéria na comissão especial presidida e relatada pelo senador Romero Jucá (RR), presidente nacional do PMDB. Para eles, isso seria retaliação e casuísmo. As mudanças propostas na lei listam 38 crimes com penas que vão de um até quatro anos de prisão, além da perda de cargo, mandato ou função, se o servidor for reincidente.
Com retorno antecipado para ontem a Brasília, Renan disse a interlocutores que não há definição em relação à agilização da tramitação. Mas ele deve conversar com os líderes sobre a prisão do diretor da Polícia Legislativa, Pedro Carvalho, e outros três agentes, acusados de terem feito varreduras antigrampo em imóveis de senadores investigados na Operação Lava-Jato.
“VISÍVEL OBJETIVO DE INTIMIDAR”
Para o senador Álvaro Dias (PV-PR), discutir abuso de autoridade agora é “abusar da inteligência nacional”, e passa a ideia de provocação e confronto.
— Votar agora é provocação descabida. Não se produz boa lei nessas circunstâncias. São vários os equívocos da proposta, mas ela já esbarra na preliminar da oportunidade. Essa precipitação repercute como uma velada obstrução de Justiça, já que tem o visível objetivo de intimidar — criticou Álvaro Dias.
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) acredita que a prisão dos agentes legislativos não irá agilizar a votação da lei:
— Esse projeto é absolutamente estranho à pauta, absolutamente delicado e sensível, e não tem qualquer sentido de prioridade neste momento. Vai soar muito mal discutir isso agora.
Com apoio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, Renan desengavetou o projeto de abuso de autoridade que estava parado no Senado há mais de cinco anos, depois que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão dele, do ex-senador José Sarney, do senador Romero Jucá e do deputado cassado Eduardo Cunha. Os procuradores do MP que comandam as investigações do esquema de propinas na Petrobras e em outras estatais alegam que a aprovação do projeto acabará com a Lava-Jato.
O projeto considera abuso de autoridade, com penas de prisão de até quatro anos e afastamento da função, ordenar ou executar captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais ou sem suas finalidades, e recolher ilegalmente alguém a carceragem policial; deixar de comunicar prisão em flagrante à autoridade judiciária no prazo legal; constranger o preso ou detento, exibir seu corpo à curiosidade pública, submetê-lo a situação vexatória ou constrangimento não autorizado em lei; ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou imagem de pessoa indiciada em inquérito policial, autuada em flagrante delito, presa provisória ou preventivamente, seja ela acusada, vítima ou testemunha de infração penal, constrangendo-a a participar de ato de divulgação de informações aos meios de comunicação ou serem fotografadas ou filmadas.
A proposta também considera abuso submeter o preso a interrogatório policial durante seu período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações. Para acabar com vazamentos para a imprensa de depoimentos e despachos de autoridade sobre inquéritos, o projeto prevê punição no caso de se dar publicidade, antes de instaurada a ação penal, a relatórios, documentos ou papéis obtidos como resultado de interceptação telefônica, de fluxo de comunicação informática e telemática, de escuta ambiental ou de quebra de sigilo bancário, fiscal ou telefônico autorizada.
Se o agente público, sem justa causa, se exceder no cumprimento de ordem legal, de mandado de prisão ou de mandado de busca e apreensão com ou sem violência, a pena é de detenção de três meses a um ano e multa.
Essas situações, segundo senadores contrários à matéria, podem ser interpretadas com o fim de “garrotear” a atuação da PF ou do MP no comando da Lava-Jato, que tem como alvo grandes empresários e políticos graúdos. A grande maioria dos senadores, apesar de defender a modernização da lei de 1966, critica a pressa de Renan num momento delicado da Operação Lava-Jato. Na consulta pública feita pelo portal do Senado, 21.375 pessoas se colocaram contrárias ao projeto, contra apenas 467 a favor.
A senadora Ana Amélia (PP-RS) diz que votar o projeto a toque de caixa por causa da prisão dos policiais seria um equívoco e um casuísmo. Para ela, o Senado estará estimulando uma crise institucional de disputa de poder, inoportuna, desnecessária e muito grave.
— Por outro lado, a sociedade que prestigia e apoia as ações da Lava-Jato entenderá a iniciativa como tentativa de fragilizar as atividades de Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário. Não é hora de apagar fogo com gasolina. Se existem excessos, cada instituição, com suas respectivas corregedorias, deve se manifestar para reafirmar o princípio de que ninguém está acima da lei. E isso precisa ser feito sem demora, para não parecer proteção corporativista e um desserviço à sociedade que aplaude a operação — reagiu Ana Amélia, que discorda ainda da tramitação casada com a reforma política.
Segundo o senador Aécio Neves (PSDB-MG), a PEC da reforma política, da qual é um dos autores, terá tramitação autônoma:
— A primeira votação está marcada para 9 de novembro, com segundo turno dia 23. Isso já foi negociado com a oposição e com Renan.
CONSULTA AMPLA
Nos partidos de esquerda a agilização também não encontra apoio.
— Claro que não concordo com essa tramitação. E farei combate total a esse projeto — avisou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
O líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC), considera que o projeto pode até modernizar a legislação, inclusive com avanços na área de direitos humanos, mas não pode ser aprovado a toque de caixa, num momento delicado do país. Segundo ele, o partido já fechou questão.
— A reforma do Código Penal durou 14 anos. Por que esse projeto não pode durar um ano de debates? Nossa prioridade é consertar a economia, combater a corrupção e apoiar a Lava-Jato. Somos contra qualquer coisa que possa parecer intromissão, cerceamento ou constrangimento nas investigações — disse o líder tucano.
— O Jucá tem de fazer o relatório dele. O apressado come cru — completou o líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Com posição contrária a Renan, o relator Romero Jucá não mostra disposição de agilizar o processo. Na próxima semana o relator deve fechar um cronograma de debates e audiências públicas com representantes de todos os setores envolvidos. Jucá já adiantou que não deve colocar a matéria em votação este ano.
— Só vou colocar essa matéria em votação depois de promover um amplo debate e ouvir todo mundo — disse.
O líder do DEM, senador José Agripino Maia (RN), concorda que agilizar a alteração da Lei de Abuso de Autoridade, principalmente depois da prisão dos agentes legislativos, pareceria retaliação.
— Acho que a maioria dos senadores opinaria por não votar no arranco — afirmou.
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