- O Estado de S. Paulo
• Debate se intensifica e ajuda a aliviar rigidez da proposta do governo
Uma situação no mínimo curiosa e não tão comum entre nós estabeleceu-se com a aprovação, em primeira votação, na Câmara dos Deputados, da proposta de emenda constitucional que fixa um teto para os gastos públicos. Em lugar de arrefecer, ante a ampla vitória do governo, o debate público ganhou intensidade e deu sinais de aproximar defensores e críticos da PEC do teto de gastos.
Ao mesmo tempo em que ficou sem sentido, diante da reiterada explicitação dos desequilíbrios fiscais, recusar qualquer tipo de controle de despesas, a rígida defesa das propostas originais da PEC tem perdido adeptos.
Alternativas ao tipo e ao formato do programa de contenção de despesas do governo apareceram no tabuleiro das discussões, inclusive com a contribuição de especialistas a ele alinhados. A PEC, em resumo, sobretudo fora do Congresso, parece evoluir, promissoramente, em terreno pavimentado pelo debate.
O cotejo com outros programas de controle de gastos, adotados ao redor do mundo, nas últimas décadas, tem permitido delimitar as peculiaridades da PEC mais passíveis de contestação. Elas dizem respeito ao prazo de duração e ao indexador de gastos. Estender a regra de controle proposta por 20 anos, conforme prevê a PEC, por exemplo, é uma típica jabuticaba. Nenhum país adotou prazo tão longo. Nas demais experiências internacionais, o tempo determinado para o funcionamento da regra de controle é, em geral, o do ciclo político, que varia de quatro a seis anos.
Não surpreende que esse também seja o ponto mais suscetível a alguma “alteração” – legal ou informal. Interessante verificar que o prazo de 20 anos, na prática da argumentação usada em defesa da PEC, já tenha caído pela metade, aproveitando a brecha que a própria proposta oficial oferece, ao permitir uma revisão de sua sistemática no nono ano de vigência. Ficou mais difícil encontrar defensores do prazo original e até mesmo o presidente Michel Temer, em declaração pública, deu a senha para a possibilidade de revisões “em quatro ou cinco anos”, dentro, portanto, do ciclo político-eleitoral.
A observação do que se pratica no resto do mundo também reforçou as dúvidas sobre a conveniência, sobretudo social, de controlar gastos apenas pela limitação de seu crescimento em termos reais. A correção do volume de despesas pela inflação, de fato, só é – ou foi – adotada por 16% dos países que, segundo levantamento do FMI publicado em 2015, desde 1985 aplicam algum sistema de controle de gastos. Pode-se prever que, se a economia voltar a crescer e, com ela, a arrecadação pública se recuperar, a pressão para rever o mecanismo de controle pela inflação tenderá a aumentar.
Um dos argumentos usados para defender a PEC é que ela terá uma “função pedagógica”, revelando as restrições orçamentárias de forma inédita. O que os autores da proposta chamam de “novo regime fiscal”, sem dúvida, é uma novidade. Até aqui, historicamente, o conflito distributivo, inerente à definição de orçamentos públicos, tem sido camuflado pela elevação da arrecadação, via novos tributos, aumento das alíquotas existentes e receitas extraordinárias. Sem esse expediente, a disputa pelo pão escasso, no Congresso, será clara e, positivamente, política.
Mas essa é uma moeda com dois lados. O outro lado dela é também deixar mais evidente que, ao concentrar a correção dos desequilíbrios no corte de gastos, deixando de lado a reversão de “gastos tributários”, derivados de desonerações e isenções fiscais, penaliza as camadas mais pobres – justamente as mais dependentes das despesas públicas. Ainda não surgiu argumento convincente em favor da alternativa exclusiva escolhida pelo governo. Pelo menos por enquanto, nesse item específico, a resposta se restringe a constatações do tipo “é o melhor que temos no momento”.
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