- O Globo
É um absurdo que a legislação penal brasileira seja tão leniente a ponto de permitir que um preso receba o indulto após cumprir ¼ da pena. Mas seria um absurdo maior se a lei não fosse aplicada ao ex-ministro José Dirceu por ser ele quem é. Assim pode ser entendida a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que acatou o indulto ao ex-ministro da Casa Civil, extinguindo a pena imposta a ele no processo do mensalão.
Para ser beneficiado pelo indulto de Natal, que foi concedido pela ex-presidente Dilma, o preso precisa ter sido condenado a menos de 8 anos (Dirceu foi condenado a sete anos e 11 meses no mensalão), ter cumprido ¼ da pena (Dirceu já cumpriu um ano em regime fechado na cadeia e um ano no regime domiciliar), não pode ter cometido “falta disciplinar de natureza grave”, necessitando atestado de “bom comportamento”.
Inicialmente, Barroso negou o benefício a Dirceu, porque os crimes da Lava-Jato teriam sido cometidos enquanto o réu estava preso pelo mensalão, a tal da “falta grave”. Mas tanto o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, quanto o juiz Sérgio Moro informaram ao STF que os crimes da Lava-Jato ocorreram até 13 de novembro de 2013, e Dirceu foi preso no mensalão dois dias depois. Portanto, ele é um criminoso reincidente, mas não cometeu crimes enquanto preso.
Pela Lava-Jato, ele foi condenado em agosto de 2016 a 23 anos e três meses de prisão, mas está preso desde novembro de 2015. Não terá direito a um indulto desse tipo, pois foi condenado a mais de 8 anos. O ambiente político radicalizado fez com que o ministro Luís Roberto Barroso dedicasse um capítulo de sua decisão para explicar o sistema de persecução penal e de execução penal no Brasil, com a intenção de expor suas falhas e, sobretudo, a leniência da legislação, que no seu entender gera um sistema facilitado de progressão de regime prisional, de liberdade condicional e de indulto.
Diante do fato “notório” de que “há intensa demanda na sociedade por um endurecimento do Direito Penal”, Barroso faz a seguinte reflexão: “(...) há, de fato, inúmeras falhas no sistema que merecem atenção e reparo. Mas não para o fim de multiplicar as tipificações ou exacerbar as penas. Não é este o caminho. O Direito Penal, em uma sociedade como a brasileira, por motivos diversos, deve ser moderado”.
Mas o ministro admite que “o excesso de leniência privou o Direito Penal no Brasil de um dos principais papeis que lhe cabe, que é o de prevenção geral. O baixíssimo risco de punição, sobretudo da criminalidade de colarinho branco, funcionou como um incentivo à prática generalizada de determinados delitos”.
O ministro Luís Roberto Barroso, no entanto, adverte que “o aumento da efetividade e da eficiência do sistema punitivo exige o aporte de recursos financeiros substanciais”. As providências necessárias vão “do aprimoramento da atuação policial a investimentos vultosos no sistema penitenciário”.
O ministro lembra que, “na prática, o sistema de execução penal no Brasil institui quase que um mecanismo de rodízio. O condenado fica preso por um tempo relativamente curto em cada regime prisional para dar vaga para o próximo condenado ingressar no sistema”. Há uma carência de aproximadamente 200 mil vagas no sistema penitenciário, correspondente ao número de mandados de prisão à espera de cumprimento, lembra Barroso.
O próprio José Dirceu foi beneficiado anteriormente por uma dessas falhas do sistema carcerário. Em 28 de outubro de 2014, após ele cumprir um sexto da pena, o STF concedeu a progressão para o regime aberto. Como o Distrito Federal não dispunha de uma “casa de albergado”, que permitisse aos presos, como manda a lei, trabalhar de dia e dormir na cadeia à noite, o ex-ministro foi autorizado a cumprir o restante da pena em sua própria residência.
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