- Valor Econômico
• Proposta busca manejo sustentável do Orçamento
A aprovação em primeiro turno na Câmara dos Deputados da proposta de emenda constitucional que limita o crescimento das despesas federais garantiu ao presidente Michel Temer mais do que uma demonstração inconteste de força política. O resultado da votação abriu caminho para o estabelecimento do que, no governo, já é visto como o "novo normal" do Brasil: o retorno de uma responsabilidade fiscal que crie as condições estruturais necessárias à recuperação da confiança no país, à retomada do investimento e do emprego e, consequentemente, ao reaquecimento da economia.
Na avaliação de autoridades do Executivo, apesar do receio de que o mercado de trabalho deva levar mais tempo para reagir do que o esperado inicialmente e a reforma da Previdência seja alvo de uma avalanche de questionamentos judiciais, a popularidade de Temer depende hoje muito mais de uma melhora do ambiente econômico.
Em recentes conversas com integrantes da equipe econômica, o presidente da República ouviu que a promulgação da chamada PEC dos gastos também induziria mais rapidamente uma redução das taxas de juros cobradas dos tomadores finais de crédito - e não apenas permitiria que o Banco Central reduzisse a Selic.
Temer passou então a atuar de maneira mais firme nos bastidores e em público para defender a aprovação e rebater as críticas à proposta. Autoridades do governo reforçaram a estratégia de comunicação para demonstrar que a PEC não trata de "cortes" de despesas, mas do estabelecimento de regras que definem limites para o seu crescimento em termos globais. O próprio presidente da República concedeu uma série de entrevistas e empenhou-se pessoalmente nas articulações que levaram a uma vitória por 366 votos favoráveis ante 111 contrários à PEC dos gastos na semana passada.
Não à toa, a votação da PEC em primeiro turno na Câmara gerou comparações com o resultado da apreciação do relatório sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff no plenário da Casa. Em abril, 367 deputados votaram pelo prosseguimento e envio do processo contra a petista ao Senado. Mas isso não trata apenas de uma evidência de que a base parlamentar que propiciou a interrupção do mandato de Dilma e hoje dá sustentação ao governo de Michel Temer se mantém coesa desde então. Há uma coerência na atuação desses parlamentares.
Impopular, sem apoio no Congresso e responsabilizada pela crise econômica que o país enfrenta, Dilma foi condenada, segundo o julgamento do Senado, porque manejou de forma irregular o Orçamento. E a PEC 241, mais do que criar mecanismos para frear o crescimento das despesas públicas, inclui na Constituição Federal justamente algumas medidas consideradas moralizadoras pela grande maioria de deputados e senadores.
A PEC 241 busca, por exemplo, obrigar governantes e parlamentares a debaterem o Orçamento de forma mais realista, definirem prioridades e quais áreas serão beneficiadas ou sacrificadas. A proposta visa reduzir os restos a pagar, as despesas empenhadas e não quitadas pelo governo no mesmo exercício financeiro, assim como evitar a abertura de créditos suplementares ou especiais que ampliem o total autorizado de despesas primárias.
A PEC também determina que todas as proposições legislativas que criem, alterem despesas obrigatórias ou gerem renúncias de receitas devem ser embasadas com estimativas de seu impacto orçamentário e financeiro. Em outro trecho, garante a uma minoria de um quinto de deputados ou senadores o poder de suspender por até 20 dias a tramitação de qualquer proposta que aumente despesa ou gere renúncia fiscal e possa desrespeitar o "Novo Regime Fiscal" a ser criado. A PEC 241 enfraquece, com isso, o argumento do PT e dos demais partidos que lutaram contra o impeachment de que nada mudaria após o processo e os sucessores de Dilma voltariam a contar com a tradicional complacência do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Legislativo na análise de suas contas.
Temer também se manteve na linha de frente das negociações antes de viajar ao exterior, para assegurar que o resultado do segundo turno na Câmara seja ainda mais dilatado. O número citado no Palácio do Planalto é 370 votos, depois que as cúpulas dos partidos da base enquadrarem os parlamentares que não apoiaram a orientação partidária na primeira votação. A ideia do governo é ver uma tramitação acelerada no Senado e a promulgação da PEC em dezembro.
A mensagem do Palácio do Planalto, em resposta às críticas da oposição segundo as quais a PEC é um instrumento criado para reduzir o tamanho do Estado e reduzir o alcance dos serviços públicos, é que votar contra a proposta é trabalhar contra a recuperação econômica. Mesmo assim, mantém-se a percepção no meio político de que o chamado "Novo Regime Fiscal" não tende a durar o período total para o qual foi formulado - inclusive se for aprovada uma reforma da Previdência Social.
Além da pressão de segmentos do funcionalismo por aumentos salariais e dos seguidos pedidos de auxílio financeiro feitos por Estados e municípios, o desafio da classe política é evitar que esse novo modelo seja desconstruído tão logo a economia apresente sinais de recuperação e o país entre em um novo ciclo de crescimento. Afinal, embora a PEC vislumbre um horizonte de 20 anos com uma eventual revisão no método de correção do limite de crescimento da despesa primária do governo apenas a partir do décimo ano de sua vigência, um rearranjo das forças políticas pode reunir com relativa facilidade os votos necessários para a aprovação de uma nova emenda à Constituição antes disso. Se o próximo presidente da República tiver amplo apoio político no Congresso e quiser um maior espaço orçamentário para pavimentar sua reeleição, será o primeiro a enfrentar essa tentação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário