“Queremos fazer uma comunicação, por termos feito, o Executivo e o Legislativo, um ajustamento institucional com vistas a, se for possível, impedir a tramitação de proposta que vise a chamada anistia.” Ladeado pelos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o presidente da República, Michel Temer, anunciou à nação que, atento à “voz das ruas”, o governo está disposto a impedir que se concretize no Congresso Nacional a manobra que objetiva, no momento em que se anuncia iminente a divulgação da delação premiada da Odebrecht, blindar os políticos contra a punição da prática do caixa 2.
Nos últimos dias Michel Temer tentou não se envolver publicamente em dois casos constrangedores. Um terceiro escândalo – o confronto entre os ex-ministros Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, e Marcelo Calero, da Cultura –, tratado inicialmente pelo presidente de forma vacilante, jogou-o num turbilhão do qual custou a sair.
De um lado, o presidente sofria a crescente pressão de uma maioria cada vez menos silenciosa de parlamentares com o rabo preso na Operação Lava Jato, apavorados com a perspectiva de virem a ser incluídos – em muitos casos, mais uma vez – na lista de investigados por corrupção. De outro lado, calava diante do clamor popular contra as desavergonhadas tentativas de parlamentares que, sob o olhar complacente da Mesa e das lideranças da Câmara, tentavam introduzir no projeto das dez medidas contra a corrupção – proposto pelo Ministério Público e subscrito por cerca de 2 milhões e meio de brasileiros – dispositivos que anistiariam os políticos de acusações pela prática pretérita de caixa 2.
Aprovado pela unanimidade dos 30 deputados da Comissão Especial que tratou do assunto, o projeto foi encaminhado ao plenário sem modificações. Evidenciaram-se, então, as tentativas de inclusão da famigerada anistia, sempre cercadas de cuidados para que não se conhecesse o texto da emenda e, muito menos, os seus autores. Tudo isso tumultuou os trabalhos parlamentares, obrigando o presidente Rodrigo Maia a adiar a votação para hoje. No Senado, o presidente Renan Calheiros, também sentindo pressões, manobrou para dilatar o prazo para a votação de outro projeto polêmico, a chamada lei do abuso de autoridade, cuja votação pelos senadores está prevista agora para 6 de dezembro. Segundo Calheiros, o projeto não é uma retaliação à ação de policiais, procuradores e juízes contra a corrupção, mas uma medida saneadora que “não é contra o abuso em algum lugar. É contra o abuso em qualquer lugar”.
A iniciativa de Temer de convocar os jornalistas para garantir que o governo vetará qualquer projeto ou emenda que anistie infrações associadas a doações eleitorais, declaradas ou não, certamente dissipou as nuvens negras da desaprovação popular que se acumulavam mais ameaçadoramente do que nunca sobre o Palácio do Planalto.
Ouvir o povo é da própria natureza do sistema democrático. Mas isso não significa que o ofício da política seja apenas o de fazer o que o clamor popular determina. Há ocasiões em que é o político – que se revela como líder – que deve dizer ao povo como pensar e agir. Agora, por exemplo, Michel Temer tem pela frente o enorme desafio de implementar medidas impopulares indispensáveis para recuperar o equilíbrio fiscal e a retomada do crescimento econômico.
Trata-se de tarefa cujo cumprimento lhe exige discernimento, sabedoria, o exercício de sua reconhecida capacidade de negociação política e o inarredável compromisso com a responsabilidade na gestão do dinheiro público. Deve permanecer atento, portanto, à necessidade de, sem ceder ao populismo que desgraçou o País, conquistar o apoio e a confiança dos brasileiros para tornar menos traumática possível a transição para o futuro.
Em suma, deve liderar. E isso significa que, além das medias necessárias para a recuperação da economia, o presidente deve indicar às instituições políticas e a seus membros o caminho da ética e dos bons costumes.
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