• Assolado por crises, Planalto precisa tomar a iniciativa, com a base parlamentar, para superar a tensão política e garantir a aprovação de medidas essenciais
Pode haver quem veja por trás da sucessão de problemas internos no governo Temer um mau alinhamento dos astros, uma trapaça do destino. A saída de seis ministros em seis meses não é mesmo fato trivial. Tampouco o pano de fundo ético por trás de algumas demissões. Entre elas, a destituição do senador Romero Jucá (PMDB-RR), do Planejamento, por ter sido gravado em conspiração contra a Lava-Jato, a primeira defenestração da série; e as duas últimas, de Marcelo Calero, ministro da Cultura, devido a pressões do colega Geddel Vieira, da poderosa Secretaria de Governo, para que resolvesse um problema privado seu no Iphan, e por isso ele também terminou fulminado pelo escândalo que patrocinou.
Só mesmo a total ausência de senso de responsabilidade pública faz um ministro jogar o peso do cargo na liberação de um projeto imobiliário visivelmente irregular, numa área tombada pelo patrimônio histórico em Salvador. A história ganhou fermento, porque Calero saiu atirando.
Contra Geddel, contra Eliseu Padilha, ministro da Casa Civil, e até o presidente Temer, responsabilizado por Calero por tentar que o ainda ministro montasse com a Advocacia Geral da União (AGU) uma “chicana”, a fim de atender o político baiano. Para tornar tudo ainda mais tenso, o exministro da Cultura admite ter feito gravações de conversas. Com o presidente, teria gravado o telefonema protocolar da entrega do cargo.
Na realidade, o governo não colhe efeitos do zodíaco ou de uma maré de azar. Ele tem sido vítima é de sua origem: um grupo do PMDB associado ao lulopetismo desde o segundo governo Lula, e com o qual compartilhou usos e costumes desses tempos. Daí o avanço da Lava-Jato tanto preocupar o Planalto e cercanias.
Por previsível, Temer deveria ter tomado certos cuidados na escolha dos ministros mais próximos. Resta agora tentar compensar os prejuízos já contabilizados e os que podem vir por aí com as delações de Marcelo Odebrecht e seus executivos. E as respostas não podem demorar, como tem acontecido.
É urgente o governo, e não só ele, criar uma agenda positiva, para se contrapor ao vendaval de más notícias causadas por deslizes internos. A base do governo no Congresso precisa, também, participar desta missão.
Nesse sentido, foi positiva a iniciativa de Temer e dos presidentes do Senado e da Câmara, senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), de, em entrevista no domingo, se comprometerem, em respeito “à voz das ruas”, a barrar qualquer tentativa de anistiar crimes eleitorais. Como a que se encontra (ou se encontrava) em andamento na Câmara, no bojo do projeto anticorrupção formulado a partir de propostas encaminhadas pelo MP, com apoio de mais de dois milhões de assinaturas.
É um passo na direção correta, em defesa de uma imagem minimamente respeitosa do Legislativo, em um momento de grave crise econômica, cuja solução passa pelo Congresso, com a aprovação da PEC do teto e da reforma da Previdência, para começar.
Muita coisa séria está em jogo — por exemplo, recolocar no mercado de trabalho mais de 12 milhões de desempregados —, para que grupos de políticos manobrem no Congresso contra o desejo da sociedade de que a corrupção seja punida como deve ser. Desta agenda positiva precisa também fazer parte o adiamento do projeto contra abusos de autoridade posto para tramitar por Renan. A legislação sobre o tema é antiga e precisa ser atualizada, mas depois de ampla discussão. O momento é inadequado, por estar intoxicado pelas emoções desatadas na esteira da Lava-Jato. Nem Renan, com várias acusações enviadas ao Supremo e o risco iminente de ser réu em um desses processos, é o agente indicado a encaminhar propostas para conter juízes, promotores e policiais.
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