- O Globo
Não há a menor possibilidade de o presidente Michel Temer vir a ser impedido pelo Congresso por causa do caso do apartamento do ex-ministro Geddel Vieira Lima. Mas ele precisa urgentemente, se é que pode, se livrar das amarras que o prendem a seus companheiros de longa viagem do PMDB.
Oque aconteceu nesse caso revela como funciona o compadrio na política nacional contra os interesses da sociedade. Certamente seria encontrada uma saída para o caso da liberação da construção do monstrengo arquitetônico na Praia do Porto da Barra, em Salvador, se o Ministério da Cultura estivesse ocupado por um dos muitos acólitos políticos do governo.
Mas o ministério estava ocupado por um novato político, que não entendeu a lição que lhe deu de graça Temer, um velho político acostumado às vicissitudes e benesses do poder. “A política tem dessas coisas, tem dessas pressões”, consolou-o o presidente da República. Ninguém é presidente do PMDB por tanto tempo e três vezes presidente da Câmara, impunemente.
Não havia nenhuma controvérsia entre instituições públicas que justificasse a interferência da Advocacia-Geral da União (AGU). O que estava sendo questionada pelo ministro da Secretaria de Governo era a recusa do Iphan nacional de aceitar a aprovação da construção do prédio pelo Iphan da Bahia. Uma questão interna de um órgão federal, que estava sujeita à arbitragem do ministro da Cultura, a quem é subordinado.
Usar a Advocacia-Geral da União (AGU) para encontrar uma saída que parecesse legal para defender interesse privado de um ministro não foi uma mediação da disputa entre assessores ou órgãos públicos, como quis dar a entender o presidente Michel Temer, mas o uso indevido de um ministério para fins particulares. É sintomático que Temer tenha dito a Marcelo Calero que a questão estava lhe causando “problemas operacionais”, pois Geddel Vieira Lima estava irritado com a situação.
Nesse tipo de governo, em que as relações pessoais e políticas valem mais que as normas e os preceitos legais, um estranho no ninho, como era o ex-ministro Calero e como também foi o advogado Fábio Medina Osório, primeiro ocupante da AGU, certamente se sente pressionado quando enfrenta um impasse desse nível.
Não há para onde escapar quando o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, membro do mesmo grupo político, também interfere no caso — como interferiu na saída de Medina Osório —e o presidente da República está no conluio.
Calero só errou ao gravar o próprio presidente Temer, pelo símbolo que representa, mesmo que a decepção pela atuação no caso o tenha levado a perder o respeito pelo homem por trás da faixa presidencial. O episódio, lamentável em todos os sentidos, reforça a ideia disseminada de que o PMDB que chegou ao poder levado pelo PT não está preparado para governar.
Os erros na área política são imensos e recorrentes, enquanto a equipe econômica comporta-se de maneira coerente com as necessidades do país no momento. Composta por figuras reconhecidas e respeitadas pela sociedade, e não por indicados de políticos, a equipe econômica tem autonomia de atuação e poder para resistir às pressões políticas vindas de uma base parlamentar corroída pela ilegitimidade de suas ações.
Quando Temer diz a Calero que a política tem dessas pressões, está, paternalmente, dando um conselho a um novato que ele elevou ao primeiro plano nacional. Quando esse novato recusa a lição e age como agiu Calero, apesar do equívoco já ressaltado, está dando uma lição ao velho político.
Já não é aceitável esse tipo de política, os tempos estão mudando e é preciso que o comando do país acompanhe essas mudanças também, para que tenha legitimidade para levar adiante as reformas de que o país necessita.
Pode ser paradoxal, mas esse tipo de política que levou Temer à Presidência da República, e seus principais aliados a dominarem o Palácio do Planalto, não responde mais aos anseios da sociedade. Ninguém colocou Temer lá pelas suas qualidades, mas devido aos defeitos inaceitáveis da antecessora, que quebrou o país por um misto de irresponsabilidade fiscal e aparelhamento da máquina pública em benefício dos seus acólitos.
Os erros, por mais graves que sejam, de Temer não absolvem Dilma Rousseff. Mas seria trágico se, em vez do DNA democrático do antigo MDB, prevalecessem os defeitos do atual PMDB, e confirmássemos em tão pouco tempo que o PT escolheu o PMDB para parceiro político por seus defeitos, justamente porque sabia com quem estava lidando.
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