- Valor Econômico
• O risco de nada fazer é ficar à mercê do populismo em 2018
Os Estados voltaram à mesa de negociação com a União, apenas cinco meses após o governo federal concordar em alongar as dívidas estaduais por mais 20 anos e suspender o pagamento das parcelas mensais até o fim de 2016. Já em junho a negociação parecia com problemas, pois menos de 15 dias depois do anúncio feito por Michel Temer, à época presidente interino, os governadores do Nordeste reclamavam uma ajuda extra da União de R$ 7 bilhões sob a alegação de perda de receita causada em boa parte por ações do governo federal.
Na prática, os governadores da região sentiram-se então discriminados pela União, que abriu os cofres para São Paulo, Rio de Janeiro (duas vezes) e Minas Gerais, os Estados que mais devem, e deixou a região à margem de ajuda federal. Isso, quando toda dívida do Nordeste com a União representa apenas 4% do total [devido pelos Estados]. O ressentimento está do mesmo tamanho que em junho. No calor das negociações, alguns governadores chegaram mesmo a lembrar aos representantes federais que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é bem votado no Nordeste não apenas por causa das políticas sociais dos governos do PT como o programa Bolsa Família. Sem muito êxito, aparentemente.
Ontem os secretários estaduais de Fazenda voltaram a se reunir em Brasília com as autoridades monetárias, negociando cada vírgula de um acordo que parecia muito difícil no início da tarde mas caminhava para alguns consensos no fim da tarde. O governo federal, aparentemente, resolveu aproveitar a exacerbação das dificuldades estaduais para exigir contrapartidas que ficaram um tanto frouxas no acordo anterior. O tratamento diferenciado dado pela União aos Estados do Sudeste pesa contra o governo federal, mas é possível algum entendimento nesta nova rodada de negociações. "Está difícil, tem muita disputa mas nós vamos chegar a um texto", disse um dos participantes do lado federal da mesa.
Crítico do primeiro acordo celebrado pelo presidente Temer com os Estados, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, orientou seu secretário a defender um acordo, mas faz uma ressalva: "Não pode ser um pacto para tirar dinheiro do governo federal", diz. "Deve ser um pacto pelas reformas estruturantes". No entendimento do governador capixaba, já não há espaço para fórmulas tradicionais às quais os governantes costumam recorrer como a criação de novos impostos ou a recriação de antigos tributos, como a CPMF, o malfadado imposto do cheque. "É um pacto pelas reformas, porque elas vão trabalhar no sentido de reestruturar as contas públicas e no sentido de dar competitividade ao país, neste momento grave que nós estamos vivendo".
Governador de um poucos Estados brasileiros com as contas ajustadas, Hartung diz que o agravamento da crise deve ajudar na compreensão das saídas necessárias. "Até recentemente, as pessoas não queriam ver os problemas que estavam postos", diz. No Estado ou na esfera privada. "Eu ouvi muito empresário dizendo 'no segundo semestre melhora'. Não foram só os governos". Perdeu-se muito tempo, porque se cultivava a fantasia de que o problema seria resolvido pela União. "A renegociação das dívidas ocorreu com esta filosofia". Mas a própria União está quebrada, com déficit anunciado para este ano de R$ 170 bilhões, e também mais de R$ 100 bilhões em 2017 - mesmo com a aprovação da PEC do teto de gastos, o que é previsto para esta terça-feira.
"A estratégia estava errada", diz Hartung. "Na renegociação da dívida eu me opus dizendo que isso não resolveria o problema dos Estados. O problema dos Estados não é a dívida com a União, este foi bem equacionado no governo Fernando Henrique Cardoso. O problema dos Estados é a folha dos ativos e de inativos". Nos ativos, porque os governos nos últimos anos deram aumentos salariais generosos e ampliaram a folha em descompasso com a receita; a folha de inativos, segundo o governador, porque está mudando o perfil da população, as pessoas vivendo mais e tendo menos filhos. Em resumo, a Previdência Social "tem que ser organizada com base na nova realidade social ou não fica de pé".
Hartung está mais otimista com a nova rodada de negociação e acredita que desta vez pode ser diferente do que aconteceu em maio. No fim da tarde de ontem a reunião dos secretários estaduais de Fazenda com representantes do governo federal caminhava para dois consensos: vedação do Refis para os próximos dez anos e a criação de um fundo com 10% de contribuição dos incentivos fiscais. "O ambiente está crescentemente convergente em termos da visão do que precisa ser feito", afirma Paulo Hartung. "Isso não só entre os governadores, não só entre os agentes públicos, mas no público e privado do país. Está posto o sentido do que precisa ser feito. Tem cada vez mais convergência".
O governador do Espírito Santo, no entanto, adverte: "É bom ter um pacto entre os governadores, o pessoal da Fazenda, as lideranças de uma maneira geral, mas é importante que essas ideias sejam debatidas com a sociedade", diz. "O cidadão está perplexo com o que está vendo, o país afundando nesses últimos anos, e todos esses problemas que nós estamos vivenciando. Então é muito importante conversar com a sociedade. Mostrar onde estamos, a situação real do país, mostrar que tem caminho para sair disso e tentar convencer, mobilizar a sociedade da direção deste caminho". Apoio no parlamento o governo tem. Agora só precisa conversar com a sociedade. O risco de nada fazer é ficar à mercê de um candidato populista nas eleições presidenciais de 2018.
Reforma do ministério
Pessoas próximas aos mais próximos do presidente Michel Temer defendiam, na sexta-feira, a reinvenção do governo por meio de duas medidas: condenação da Lei de Anistia em discussão no Congresso e reforma já do ministério. Temer só acatou a primeira sugestão.
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