- O Estado de S. Paulo
• Temer demorou e se atrapalhou com os termos, mas o Plano de Segurança faz sentido
Todo mundo (quase literalmente) concorda que o massacre de Manaus foi “pavoroso”, como adjetivou o presidente Michel Temer, três dias depois de um silêncio sepulcral e um depois da manifestação do papa Francisco. Há controvérsias, porém, se esse massacre pode ou não ser chamado de “acidente”. Professor e aplicado, Temer despejou sinônimos de “acidente” nas redes para defender sua escolha de palavras: tragédia, perda, desastre, desgraça, fatalidade. Deles, porém, o único que se encaixa é tragédia. Mesmo assim, precisaria um complemento: tragédia intencional.
O que diferencia um “acidente” de todos os sinônimos de Temer é a intenção. A Família do Norte, já a terceira facção do País, trucidou presos de outras facções e possivelmente de facção nenhuma. Não foi nem perda, nem desastre, muito menos uma fatalidade, mas sim um ato intencional – que, aliás, era de conhecimento das autoridades estaduais, previsto por estudiosos e compatível com a situação caótica das prisões.
Afora as duas escorregadelas do presidente – a demora em se pronunciar e o uso dos termos –, o Plano Nacional de Segurança faz sentido. Foi antecipado por causa da chacina de Manaus, mas está no topo da pauta e vem sendo discutido desde outubro, depois de um encontro de horas entre Temer e a presidente do STF, Cármen Lúcia, e de uma reunião das cúpulas dos três Poderes.
São duas vertentes. Uma é a criação de uma força-tarefa de Segurança em cada Estado, reunindo o pessoal de inteligência da PF, da PRF, da PM, da Abin e do sistema prisional. Assim como a força-tarefa da Lava Jato foca na corrupção e nos chamados crimes de colarinho branco, a da Segurança vai mirar no narcotráfico e no crime organizado, duas das maiores causas do caos.
A intenção é que os órgãos federais, estaduais e municipais ajam preventivamente, evitando ser surpreendidos e ficar a reboque de facções poderosíssimas que nasceram em São Paulo (PCC) e no Rio (Comando Vermelho), ramificaram para o resto do País e ganharam até rivais à altura, como a Família do Norte, que já se expande para o Nordeste.
Por falar em fronteiras, as Forças Armadas serão fundamentais nessa força-tarefa, mas é preciso priorizar seus instrumentos para detectar as conexões internacionais do crime organizado e impedir suas ações. O principal é o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que, depois de tantos cortes, pode demorar 35 anos até ser concluído, na previsão do comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas.
A segunda vertente do plano é o sistema prisional. Se o déficit fiscal do País exige aumento de receitas e corte de gastos, o déficit de capacidade (com a correspondente superpopulação carcerária) nas penitenciárias também precisa de aumento de vagas e corte de prisões/prisioneiros: construção de cinco novos presídios de segurança máxima (hoje, são quatro) e critérios mais gradativos para prisões, permitindo penas alternativas para delitos menores.
O delegado aposentado da PF Jorge Barbosa Pontes, que estudou no FBI e atuou na Interpol, critica a prática de “inchar o nosso sistema prisional com a condenação de milhares de pequenos traficantes, todos muito jovens, jogando-os nesse caldeirão de ódio e recalcitrância”. Pode-se acrescentar: é um ônus sem bônus para a sociedade, que paga caro por um sistema que transforma pequenos traficantes em criminosos com doutorado em violência.
Por falar nisso, o que explica um preso de Manaus custar R$ 4.100 por mês? O que sente um trabalhador ao saber disso, quando ganha um salário mínimo de R$ 937? E, por fim, a empresa privada que administra o presídio onde morreram 56 pessoas se chama Umanizzare. É ou não sarcasmo?
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