- Folha de S. Paulo
Depois de três dias em silêncio sepulcral, o presidente Michel Temer decidiu falar sobre o massacre no Amazonas. Ele classificou a matança de 56 detentos como um "acidente pavoroso". A declaração apavorou especialistas que se dedicam a estudar as prisões brasileiras.
Após se omitir sobre uma chacina de repercussão mundial, Temer tropeçou na própria língua. Segundo o "Houaiss", a definição mais comum de acidente é algo "casual, inesperado, fortuito". O banho de sangue em Manaus passou longe das três coisas.
"A fala do presidente foi infeliz, absurda e irresponsável", me disse a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu. "A palavra acidente dá a ideia de algo imprevisto. Este massacre era uma tragédia anunciada", acrescentou.
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, subordinado ao Ministério da Justiça, já havia alertado o governo sobre a situação. Um relatório de janeiro de 2016 descreve as cadeias amazonenses como barris de pólvora prestes a explodir.
"A ação da administração penitenciária é bastante limitada e omissa diante da atuação de facções criminosas", diz o texto. "Os presos basicamente se autogovernam nas unidades prisionais, afetando a segurança jurídica e, mais grave, o direito à vida das pessoas", prossegue.
O relatório oficial denuncia um "quadro sistemático de tortura", aponta o risco de rebeliões e enumera problemas causados pela privatização das penitenciárias.
Ao comentar a matança, Temer argumentou que "o presídio era terceirizado e privatizado e, portanto, não houve uma responsabilidade objetiva, clara e definida dos agentes estatais". Para a diretora da Human Rights Watch, o presidente perdeu outra chance de ficar calado.
"O Estado não pode abrir mão da responsabilidade sobre os presos sob sua custódia", disse Canineu. "Na verdade, quem mandava nas cadeias não era a iniciativa privada, e sim as facções criminosas", concluiu.
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