Com produção de apenas 66% de sua capacidade, o menor nível em 20 anos, a indústria tem espaço para crescer sem precisar de novas máquinas e fábricas. Assim, segundo especialistas, a retomada dos investimentos no Brasil deve ser bastante lenta. A produção industrial recuou pelo 33º mês em novembro e está no patamar de dezembro de 2008.
Indústria ociosa freia investimento
• Uso da capacidade nas fábricas está no menor patamar em 20 anos
Cássia Almeida, Daiane Costa, Ana Paula Ribeiro | O Globo
-RIO E SÃO PAULO- Mais uma pedra no caminho da recuperação do investimento: a ociosidade da indústria. O uso da capacidade instalada é o menor em 20 anos, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Com cerca de 66% de uso em média do parque fabril, não há necessidade de investimentos para aumentar a produção quando o consumo reagir. Em alguns setores, como o automobilístico, a crise é mais aguda. As montadoras estão produzindo menos da metade dos cerca de cinco milhões de carros que têm condições de fabricar. No setor de caminhões, a ociosidade alcança 75% do parque fabril, segundo a Anfavea, que divulgou ontem queda de 11,2% na produção de veículos no ano passado.
— Na crise de 2008, houve uma série de medidas que reativaram a demanda doméstica. Nessa crise, são três, quatro anos de queda contínua e bastante profunda. Esse quadro com certeza freia investimento, já que a capacidade de produção é suficiente para atender à demanda futura — afirma Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da CNI.
O investimento na economia vem caindo desde 2014. Já acumula queda de 28%, e as projeções para este ano não estão animadoras. Há quem espere o quarto ano seguido de retração no investimento, como Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas. Ela calcula nova perda de 0,4%:
— Muita incerteza, política e econômica, e o excesso de ociosidade dificultam mais ainda a retomada dos investimentos. A demanda doméstica é fraca e vai demorar a crescer. Aliado a isso, os juros, que ainda são altos, também atravancam a construção civil. E os governos, de todas as esferas, não têm condições de investir.
Mas há previsões mais otimistas, que estão pouco acima de 2%, como a da Tendências Consultoria. O economista Silvio Campos espera alta de 2,2% para o investimento este ano, com o Produto Interno Bruto (PIB) subindo 0,7%:
— Na infraestrutura se encontram as principais oportunidades, mas é um processo lento. Demanda projeto de concessão e o próprio início dos trabalhos. Não vejo por aí uma retomada num primeiro momento. Deve ficar para o fim de 2017, início de 2018. Mas há nichos como o setor agropecuário.
A produção de bens de capital (máquinas e equipamentos) cresce para o setor agrícola. Em novembro, a alta foi de 16,2% contra elevação média do setor de 0,2% frente a outubro. Mas o segmento é pouco intensivo em capital e contribui pouco para a alta do investimento, lembra o economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Contra o mesmo mês do ano anterior, houve queda de 1,1%, completando 33 meses de cortes sucessivos na produção, conforme divulgou ontem o IBGE.
— Pode haver algum arrefecimento da crise, mas em nada muda o quadro de ociosidade da indústria, consequentemente há pouco incentivo para o investimento. Um período de queda tão agudo e tão longo não só tira estímulos e condições para investir como torna obsoleto o parque industrial, tirando a competitividade da indústria brasileira — afirma Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Castelo Branco, da CNI, concorda. O custo fixo aumenta quando se usa apenas 60% da capacidade:
— A tecnologia está avançando, e a crise é mais brasileira do que mundial. O atraso no programa de investimento acaba afetando a qualidade do produto e a competitividade do setor. Estamos prevendo alta de 2,3% no investimento por já ter caído muito. Em algumas atividades, há necessidade de reposição de máquinas. Claro que a reação é insuficiente para um nível de crescimento, no mínimo, aceitável.
Em novembro, a produção de bens de capital, puxada por altas em máquinas agrícolas e caminhões, cresceu nas duas comparações: 2,5% em relação a outubro e 1,1% na comparação com novembro do ano passado. No entanto, ainda amarga queda no ano (-13,2%) e nos últimos 12 meses (-14,7%). O desempenho desse grupo juntamente com o de bens duráveis, que teve alta de 4% em novembro frente ao mês anterior devido à normalização da produção de uma montadora e ao aumento de 55% na exportação de veículos, impediu que o resultado da indústria como um todo no mês ficasse negativo, com alta de 0,2% frente a outubro.
Com a crise, a indústria está produzindo o mesmo que em dezembro de 2008, há seis anos. Período em que a produção despencou 19,6% em apenas três meses, no auge da crise global. Em bens de capital, a produção recuou ao mesmo patamar de 12 anos atrás, segundo André Macedo, gerente da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE:
— Em 2015, quando a indústria encolheu 8,3%, tivemos 11 meses de resultados negativos e um só positivo. No ano passado, tivemos alternâncias de resultados negativos e positivos, o que deu uma sensação melhor em relação ao ano anterior. Mas isso não significa que eliminamos a trajetória de queda do setor. Até novembro, a produção caiu 7,1%, porque muitos dos fatores que justificaram a queda em 2015 permaneceram em 2016.
Pelas projeções de Iedi e FGV, a indústria deve ter leve recuperação de 0,6% este ano. CNI está mais otimista: prevê 1,3%.
FUNDO DO POÇO ESTÁ PRÓXIMO
Para o Bradesco, o avanço no investimento será modesto, de 2,5%, com o PIB crescendo 0,3%. Até o fim do ano passado, o banco esperava alta de 4% no investimento.
— Juro em queda e uma cotação do dólar menor fazem o investimento andar, mas não há estímulo para isso. Temos como exemplo o setor automotivo, que tem capacidade de produzir mais de cinco milhões de unidades e agora produz em torno de 2,5 milhões. Qual o incentivo para aumentar a capacidade? E outros segmentos estão em situação parecida, como o de óleo e gás. A expansão precisa ser forte para compensar a perda que herdamos de 2016. Este ano já começou com uma queda contratada perto de 4%. A expansão precisa ser forte para superar esse dado e ainda crescer. Temos chance de nos decepcionar — disse Igor Velecico, economista do Departamento Econômico do Bradesco.
Na avaliação de Rodolfo Margato, economista do Santander, os dados do último trimestre do ano passado foram frustrantes:
— Temos ociosidade elevada em segmentos importantes da economia, como na indústria automobilística, na metalurgia e na produção de máquinas e equipamentos. Uma melhora mais significativa só em 2018.
Na metalurgia, a folga na produção está em 63% e, na de máquinas e equipamentos, em 57%. O setor de produtos de metal opera abaixo de 60%, usando 54% do parque industrial.
Levy acredita que o pior pode ter ficado para trás. O recuo de 1,1% da produção industrial em novembro frente ao fim de 2015 foi o menor desde início daquele ano:
— Dá para começar a pensar em fundo do poço. Se não estamos lá, estamos muito próximos de as taxas da indústria voltarem a ficar positivas. Houve ajuste importante no estoque, o que pode levar ao aumento da produção.
Mas a ociosidade tem um lado positivo. Quando a economia aquecer, a produção retomará sem provocar inflação, abrindo espaço para a queda dos juros. Flávio Serrano, economista sênior do banco de investimento Haitong, afirma que o baixo dinamismo da indústria pode favorecer a queda de juros, “dando mais margem de manobra para que o Banco Central continue afrouxando a política monetária em uma velocidade superior por um período mais longo do que o imaginado”.
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