A maré das tensões internacionais está em alta, trazendo riscos que podem abalar a economia global. O fim da União Soviética e a arrancada espetacular do capitalismo estatal chinês legaram um mundo multipolar, que, sob a primazia americana, continuou jogando dentro de regras estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial - e com as disputas canalizadas, mal ou bem, para as instituições multilaterais existentes. Essa ordem sofreu duros e seguidos golpes recentes, desferidos pela insatisfação com os resultados desiguais da globalização, agravados pela crise financeira de 2008, e por manobras de líderes ambiciosos, como o russo Vladimir Putin, desastrados, como o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron e demagogos de direita de todo tipo, que ameaçam nas eleições deste ano destronar os governos na França, Holanda e ameaçar o da Alemanha. A entrada em cena do destemperado Donald Trump amplia esse riscos exponencialmente.
A Rússia, sob o autocrata Vladimir Putin, quer recuperar o império perdido e pode incrivelmente ser ajudada nesta tarefa por um aliado inesperado, Donald Trump. A China mostra musculatura militar, desconfia dos EUA e também abre caminho para a cooperação com a Rússia, que, por sua vez, ameaça as fronteiras dos vizinhos e passou a ser um jogador ativo no Oriente Médio, ao sustentar o ditador Bashar Assad em uma hora decisiva, quando a maré da guerra se voltara contra ele.
Os Estados Unidos mantiveram-se como o pilar de sustentação da globalização na nova ordem pós-soviética. Mas suas alianças ao redor do mundo poderão sofrer bruscas e desordenadas guinadas com um aventureiro como Trump na Casa Branca. Ainda que governar seja uma coisa e fazer campanha, outra, se Trump executar um décimo do que prometeu quando caçava votos o mundo estará em sérios apuros.
Um apanhado ao acaso de suas declarações mostra que Trump não acha descabido que seus aliados na Otan paguem mais e aliviem o fardo americano na segurança europeia, nem que Japão e Coreia do Sul arquem com suas próprias defesas até mesmo com a construção de arsenais nucleares. Ou que os EUA podem abandonar o acordo do clima de Paris e a Organização Mundial do Comércio, declarar uma guerra comercial à China e isolar-se dentro de suas fronteiras para impedir a entrada de imigrantes.
Caricatural, Trump tem ideias que remetem ao isolacionismo belicoso e paranoico da diplomacia do país no início do século XX. Mas, por mais histriônico que seja, Trump foi eleito porque apresentou respostas (falsas) para problemas reais. Há uma reação nacionalista conservadora em ascensão nos EUA e na Europa, que deve ganhar força nas eleições da França, Holanda e Alemanha este ano e que tende a colocar mais pressão desagregadora sobre a União Europeia, já abalada pela defecção do Reino Unido.
Nos EUA, esse nacionalismo reage às contínuas correntes migratórias e, desde os ataques de 11 de setembro de 2001, à insegurança trazida pela entrada de muçulmanos em geral. Brancos americanos estão se tornando minoria no país e o apelo de Trump à xenofobia é uma tentativa histérica de fazer a roda da história girar ao contrário.
A pressão da direita xenófoba sobre os governos europeus não é nova, mas ganhou intensidade com a tragédia humanitária de multidões que arriscam a vida em busca do território europeu em fuga da guerra civil no Iraque, Líbia, Síria e países africanos. Achar uma solução para esses conflitos no Oriente Médio será um teste da política dos principais atores do cenário mundial, salvo a China, que não se mete nisto.
Não se sabe como o inexperiente Trump e seu gabinete de milionários e generais se comportarão. O presidente eleito andou resmungando do acordo com o Irã e hostilizar o país agora só fará unir contra si o ódio dos xiitas, que defendem Assad, ao dos sunitas, que o combatem. Trump defende Israel aparentemente sem condições e o governo israelense também não vê com bons olhos o acordo com os iranianos. Desde que George W. Bush invadiu o Iraque, os EUA não conseguiram formular uma política coerente para o Oriente Médio. Trump não parece sequer ter ideia do que está em jogo.
A adulação a ditadores como Putin, a sinalização de forte protecionismo, os insultos aos vizinhos feitos por Trump retiraram a política externa dos EUA dos eixos. Isso pode ser fonte de enormes encrencas em 2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário