- Valor Econômico
• Servidor concursado pode ser demitido para ajustar contas
Depois de quase 17 anos, o Supremo Tribunal Federal finalmente vai julgar o mérito das sete ações de inconstitucionalidade que ingressaram na Justiça contra dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O julgamento está marcado para o próximo dia 1º de fevereiro, quando os ministros do Supremo dirão se os dispositivos da lei, que foram suspensos por liminares, são ou não constitucionais.
Entre eles estão aqueles que permitem aos governos (federal, estadual e municipal) reduzir os valores de cargos e funções e promover a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
Há uma grande expectativa no governo federal, nos Estados e nos municípios sobre a decisão do Supremo. "O resgate do formato original e pleno da LRF pelo STF, ao julgar sua constitucionalidade, vai garantir mais instrumentos para o enfrentamento da grave crise das finanças públicas e melhorar as expectativas dos agentes econômicos, ajudando na retomada da economia", disse o economista José Roberto Afonso ao Valor. Afonso foi um dos autores da proposta da LRF.
E se os ministros do Supremo considerarem que os dispositivos questionados e que já foram suspensos por liminares são, efetivamente, inconstitucionais? Como os Estados e municípios, que estão em situação falimentar ou pré-falimentar, farão para ajustar suas contas? A Constituição autoriza os entes da Federação a adotar duas medidas para reduzir os seus gastos com pessoal e se enquadrarem nos limites estabelecidos pela LRF.
O texto constitucional autoriza, explicitamente, a redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança e a exoneração dos servidores não estáveis. É bom lembrar que essas medidas estavam no projeto de lei complementar que iria instituir o regime de recuperação fiscal dos Estados, mas que foram suprimidas pelos deputados, depois de terem sido aprovadas pelo Senado.
As duas medidas, no entanto, não serão suficientes para que os Estados em situação falimentar resolvam os seus problemas. No caso deles, é necessário reduzir substancialmente as despesas com pessoal. Ao contrário do que muita gente acredita, a Constituição brasileira autoriza, desde 1998, a demissão de servidores estáveis. Essa possibilidade foi inscrita no texto constitucional pela emenda 19.
A Constituição diz que se a redução dos cargos em comissão e funções de confiança e a demissão dos servidores não estáveis forem insuficientes para que o ente da Federação se enquadre no limite de gasto com pessoal, o servidor estável poderá perder o cargo. Para isso, ato normativo de cada um dos Poderes especificará a atividade funcional e o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.
O texto constitucional chega a definir, até mesmo, o valor da indenização que será paga para o servidor demitido, que será correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço. Ao mesmo tempo, o cargo objeto da redução será considerado extinto, ficando vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos.
"Ninguém leu esse dispositivo da Constituição, ninguém quer conhecê-lo e tem pavor de saber de sua existência", ironiza o deputado Espiridião Amin (PP-SC), que foi o relator na Câmara do projeto de lei da renegociação das dívidas dos Estados. Para ele, o caminho a ser seguido pelos Estados em situação falimentar está dado pelo texto constitucional.
Há, no entanto, um porém. A Constituição estabelece que a demissão de servidores concursados precisa ser regulamentada por lei ordinária federal, o que não foi feito até hoje.
Quando estava preparando a proposta da LRF, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a discutir essa questão. Naquela época, as autoridades entenderam que a melhor alternativa seria propor a redução da jornada de trabalho do servidor, com a respectiva redução do salário, em vez de tratar da demissão. Considerou-se, de acordo com fontes que participaram das negociações, que seria socialmente mais palatável e, politicamente, menos difícil.
Havia também dúvida jurídica, se era possível que lei ordinária federal estabelecesse regras para a demissão de servidores estaduais e municipais. Alguns diziam que essa era matéria para lei complementar. Outros achavam que essa lei seria semelhante à lei de licitações, que é ordinária e federal, mas vale para todos os entes subnacionais. O fato é que não foram aprovadas, até hoje, as normas gerais a serem obedecidas no caso de demissão de servidor concursado, como determina a Constituição.
Diante de todas essas dificuldades, os governadores e prefeitos estão na expectativa de saber como o governo federal vai resolver a situação dos Estados em situação falimentar. A Constituição prevê que, decorrido o prazo para o reenquadramento dos Estados e municípios nos limites definidos para os gastos com pessoal, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais para aqueles que não observarem os limites.
A LRF também estabelece que, não obtida a redução da despesa com pessoal no prazo estabelecido e enquanto perdurar o excesso, o Estado ou município não poderá receber transferências voluntárias da União, obter garantia, direta ou indireta e contratar operações de crédito. Como, então, será desenhado o pacote de ajuda ao Rio de Janeiro, que prevê a concessão de novos créditos e de garantia da União?
A resposta está no artigo 65 da própria LRF, que suspende os prazos para o enquadramento dos Estados e municípios no limite do gasto de pessoal, quando o Estado ou município for declarado pelas assembleias estaduais em calamidade pública.
A questão é saber se o acerto firmado com o Rio não estimulará os demais Estados e os municípios a buscar a decretação da situação de calamidade pública. Além disso, só a posteriori é que se saberá se os Estados beneficiados pela União farão efetivamente o ajuste em suas contas, com o corte nos gastos com pessoal.
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