- Folha de S. Paulo
Foi a pretexto de conhecer o sistema penitenciário dos EUA que o francês Alexis de Tocqueville viajou nove meses pelo país em 1831 e 1832. Dessa incursão nasceu um clássico da ciência política, "Democracia na América".
Bem menos conhecido é o texto em que ele discutiu o objeto inicial da missão, "Sobre o Sistema Penitenciário nos EUA e sua Aplicação na França", no qual transparece um otimismo pessimista no olhar sobre os detentos: "Talvez ao sair da prisão ele não seja um homem honesto; mas ele adquiriu hábitos honestos".
A histórica viagem do século 19 é exemplo da ponte umbilical entre o que está atrás das grades e o mundo fora delas. Prisões são termômetros da sociedade. Tanto que duas delas, no Paraná, têm abrigado o maior símbolo de mudança do país nos últimos tempos, os detidos pela Lava Jato.
A matança desta semana deixa um lembrete: a república de Curitiba convive com as repúblicas de tantas Manaus. Isso impõe algumas casas de retrocesso no tabuleiro da esperança.
Microcosmos da desigualdade, do preconceito, do tráfico, da violência e do desgoverno, as prisões aqui têm seu interior iluminado de quando em quando, não pela pena elegante de um Tocqueville, mas por vídeos de celular que desafiam o estômago.
O desprezo por esse mundo é tamanho que, mesmo nos EUA, a primeira vez que um presidente colocou os pés num presídio federal foi um ano e meio atrás. O arquivo da Folha não registra visita a uma prisão em operação de nenhum dos três últimos mandatários brasileiros —um deles agora ameaçado de ir como hóspede.
Já o atual presidente passou mais de dois dias sem dizer qualquer palavra sobre a matança em Manaus, espelhando feito pouco republicano do seu chefe em 1992, o governador paulista, após o massacre do Carandiru. Quem não tem nada a dizer sobre o derretimento dos termômetros intragrades provavelmente também não o tem sobre as questões fora delas.
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