Boas maneiras e educação não foram atributos visíveis quando o Donald Trump disputava a campanha eleitoral. Na Presidência dos Estados Unidos, esperava-se, porém, que ele mantivesse pelo menos resquícios da liturgia do cargo, mas não. Trump elegeu a grosseria como método e instrumento da diplomacia.
A ideia de construir um muro na fronteira com o México e querer que o governo mexicano pague por ele é um bullying ultrajante - a maneira pela qual Trump abriu caminho rumo à Casa Branca. Anteontem, já presidente, autorizou a construção da barreira de 3.200 km e ontem, por twitter, disse ao mundo que se Enrique Peña Nieto, o presidente mexicano, não aceitasse pagar pelo muro não haveria por que manter a reunião entre os dois mandatários, marcada para a próxima semana, para iniciar a discussão da revisão do Nafta, o acordo comercial que reúne os dois países mais o Canadá, bloco que soma 30% do comércio mundial dos EUA.
Há método na rudeza de Trump. Ele escolheu o dia em que o ministro das Relações Exteriores do México, Luis Videgaray, chegou em Washington com a missão de preparar o encontro presidencial, para expedir a ordem executiva que autoriza a construção do muro, estimada entre US$ 12 bilhões e US$ 14 bilhões. Em um pacote, anunciou o corte dos fundos (cerca de US$ 2,2 bilhões) para cidades "santuários", que não deportam imigrantes ilegais, autorizou a criação de novos centros de detenção e a reativação de um programa que dá rapidez às deportações.
Os ataques sucessivos de Trump fizeram ruir a já baixa popularidade de Peña Nieto (para apenas 12%) e inflaram as chances do candidato de oposição da esquerda, Andres Lopez Obrador, que encontrou um ponto de apoio na indignação dos mexicanos com a atitude do presidente dos EUA.
Peña Nieto surgiu embalado no figurino da mudança, ainda que pertencesse ao corrupto PRI, partido que dominou o país por mais de meio século, e agora se transformou em um cadáver político. Foi atingido por um escândalo envolvendo tráfico de influência que beneficiou sua mulher logo no início de seu governo, perdeu força, ainda que tenha conseguido levar adiante algumas reformas importantes no monopólio das telecomunicações e do petróleo. Foi incapaz de conter a sangrenta guerra de gangues do narcotráfico e presidiu um período de baixo crescimento econômico, enquanto os EUA digeriam a crise financeira de 2008.
Diante de Trump e de uma oposição aguerrida, que sempre foi contra o Nafta, Peña Nieto seguiu o caminho diplomático, mas mesmo um cortês não à proposta indecorosa de Trump foi tida como resposta insuficiente para satisfazer o orgulho ferido dos mexicanos. A ironia do destino obriga-o a defender um acordo que beneficia mais os EUA contra o próprio presidente americano e boa parte da opinião pública de seu país.
O Nafta não foi uma benção para o México nem uma maldição para os EUA, como quer Trump - analistas mexicanos dizem que o oposto é o verdadeiro. O México recebeu investimentos bilionários das montadoras e em serviços, criando bolsões de riqueza incapazes de espalhar a prosperidade pelo resto da nação e de reduzir a grande desigualdade de renda. Elevou suas vendas e sua dependência do mercado americano, para o qual escoa 80% de tudo que exporta.
Trump culpa o acordo pela perda de empregos na indústria, quando parece claro que o que migrou para o México foram os empregos de baixos salários, os mesmos que imigrantes, legais ou ilegais, disputam nos EUA. Economistas que mediram o efeito do Nafta sobre o emprego industrial americano chegaram à conclusão que, em alguns setores, foi menor que 5% e em outros abaixo de 1% (Bradford DeLong, vox.com). Outros, que as consequências sobre a média dos trabalhadores foi perto de zero, mas muito negativas para uma importante minoria (FT, ontem), situadas em regiões isoladas, provavelmente as que Trump cativou com sua retórica protecionista.
Agredir o México é a parte mais fácil da tarefa de Trump. Difícil será criar empregos melhor remunerados nos Estados Unidos e regozijar-se com os efeitos automáticos de sua política: aumento de preços e perda de competitividade da indústria doméstica. Com uma política errada, Trump atira no alvo errado. Depois do México, terá de se defrontar com um adversário que tem menos sensibilidade para desaforos -a China.
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