• A volta da febre amarela ocorre depois do retorno da dengue e do surgimento da zika e da chicungunha, algo suficiente para mobilizar o poder público
Surtos de febre amarela no interior de Minas, do Espírito Santo e de São Paulo, numa rota em direção ao litoral, já são um fato muito grave em si. Quando o colocamos no contexto da sequência de outros surtos de doenças transmitidas por mosquitos, a situação piora.
A febre amarela, no passado relacionada a florestas distantes, entra em cidades depois da volta da dengue ao Rio, na década de 80, transmitida pelo Aedes aegypti. Em seguida, houve a migração do mosquito e da doença para outros estados, até chegarmos ao ponto em que zika e chicungunha vieram se juntar à dengue, com um arsenal de efeitos colaterais perigosos, como a microcefalia em fetos.
E vem, agora, a febre amarela silvestre, que contamina macacos e, destes, a doença é passada para humanos por meio do mosquito Haemagogus. Mas não só: o Aedes também pode espalhar o vírus, mosquito que já infesta parte do país.
A questão é saber se as autoridades sanitárias estão aptas a enfrentar esta situação potencialmente muito grave. O GLOBO pediu ao Ministério da Saúde informações sobre o estoque de vacina para febre amarela. Não foi divulgado, por se tratar de assunto de “segurança nacional”. Este tipo de resposta costumava ser dado nos tempos da ditadura militar, e não funcionou. No governo Geisel, censuraram notícias sobre uma epidemia de meningite em São Paulo, e a doença se alastrou do mesmo jeito.
Na febre amarela, a vantagem é que a vacina tem grande eficácia. Mas, claro, precisa ser distribuída e aplicada. Especialistas, como Luiz Tadeu Figueiredo, da Faculdade de Medicina da USP localizada em Ribeirão Preto, interior paulista, região em que tem circulado bastante o vírus da doença, alertam que se o governo quer evitar a volta da febre amarela urbana, precisa se antecipar. Ou seja, vacinar.
O Plano Nacional de Imunizações (PNI), dizem médicos, pesquisadores, especialistas em geral, precisa ser revisto, para enfrentar a maior ameaça de volta da doença às cidades ocorrida em décadas. O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Maurício Lacerda Nogueira, diz que não se vê nada igual desde 1930.
A ideia é que não apenas tome a vacina quem viaje para áreas catalogadas anteriormente como de risco. Por isso, a preocupação com a disponibilidade do medicamento. O também virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, considerado um dos maiores especialistas do mundo em febre amarela, calcula que, quando há o risco de a doença se estabelecer, 90% da população do local precisam ser vacinados. Calcule-se o que isso pode significar em Rio e São Paulo.
Há uma longa história de incúria desde o combate a mosquitos e ratos iniciado por Oswaldo Cruz, no início do século passado, até a volta da ameaça da febre amarela. Compõe esta crônica trágica uma urbanização rápida acompanhada de um proverbial descaso com saneamento básico. Some-se a incapacidade de a população se conscientizar da necessidade de cuidados preventivos contra mosquitos.
O resultado é o que está aí. O governo federal precisa reconhecer a situação de emergência sanitária e considerar o combate a essas doenças transmitidas por mosquitos (arbovírus) tão prioritário quanto a recuperação da economia.
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