A operação de resgate do falido Estado do Rio de Janeiro segue agora por rumos imprevistos. Qualquer auxílio financeiro direto ou indireto, via bancos públicos, ou suspensão de pagamento de dívidas, é vedado por leis, entre elas a de responsabilidade fiscal, que foi burlada pelo Rio e por grande parte dos Estados. A solução é o Congresso reconhecer a gravidade da situação financeira do Rio, do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais e disciplinar rigidamente a excepcionalidade e as condições do apoio da União em casos extremos. Isso já poderia ter sido feito, mas, quando chamado a votar as novas condições para pagamento das dívidas estaduais renegociadas, a Câmara dos Deputados eliminou as contrapartidas dos Estados.
Agora, optou-se pela via da jabuticaba jurídica, já que o ativismo do Supremo Tribunal Federal na questão das dívidas dos Estados parece abrir veredas em um caminho torto para a solução.
O governo federal acertou os termos gerais de um acordo que permitiria ao Rio ficar três anos (ou mais) sem pagar os juros da dívida - algo perto de R$ 6 bilhões por ano -, com exigência de cumprimento de programa de ajuste de contas da ordem de R$ 20 bilhões. Nele, o aumento de receitas seria de R$ 2,5 bilhões, o corte de gastos, de R$ 4,5 bilhões e haveria empréstimo de R$ 7 bilhões capitaneado pelo Banco do Brasil e bancos privados. A companhia estadual de esgoto e água, Cedae, seria privatizada e o dinheiro da venda, estimado em R$ 5 bilhões, seria utilizado para abater débitos.
O governo do Rio se comprometeria em elevar a alíquota da contribuição dos funcionários públicos à Previdência, estabelecer teto para despesas, congelando-as em termos reais e, ao que tudo indica, redução de jornada com redução de salários - permitidos pela LRF, mas tidos como inconstitucionais por uma liminar do STF de 2007. Seriam cortados cargos comissionados e contidos os reajustes salariais, entre outras medidas.
Para contornar o obstáculo da LRF, União e Estado do Rio cogitam assinar um termo de compromisso, em que o governo federal obriga-se a enviar um projeto de lei complementar criando o regime de recuperação fiscal dos Estados e o governo do Rio a fazer aprovar as medidas de ajuste na Assembleia Legislativa, que já rejeitou boa parte delas anteriormente. Nada disso vale nada, porém, se o Supremo não conceder liminar "antecipando os efeitos da lei", uma aberração jurídica em qualquer lugar. No entanto, a gambiarra teria um precedente na ata protocolada do STF, em julho de 2016, quando o tribunal suspendeu o pagamento das dívidas renegociadas estaduais até que lei complementar aumentando em 20 anos prazos para quitações dos débitos fosse votada.
O STF fez intromissões desestabilizadoras nas negociações da União com os Estados. Os Estados ganharam um novo indexador das dívidas mais favorável, mas recorreram ao Supremo exigindo a cobrança de juros simples, e não compostos, e obtiveram uma incrível liminar que obrigava a União a discutir a situação enquanto suspendia os pagamentos estaduais. Quando a União iria bloquear R$ 190 milhões das receitas do Rio no início de 2017, pelo não pagamento de empréstimo ao Banco do Brasil, a presidente do STF, Cármen Lúcia, impediu o ato perfeitamente legal, embora dessa vez houvesse a alegação importante de prejuízos à coletividade do bloqueio.
A ideia de uma lei de recuperação fiscal para Estados não casa bem com a de responsabilidade fiscal. A LRF criou mecanismos claros, com estágios bem definidos, para evitar que os Estados cheguem a uma situação falimentar. Foi o descumprimento das normas, às vistas da União e dos órgãos de controle, que permitiu aos governadores burlarem as leis. Três Estados chegaram à bancarrota: Minas, Rio e Rio Grande do Sul. Após terem furado a barreira legal, esses Estados serão socorridos como no passado, o que a LRF quis de todo modo evitar.
Não há como não ver o elevado risco moral elevado de uma lei de recuperação. Ela fará da União o fiador de última instância para a irresponsabilidade dos Executivos estaduais, após terem ultrapassado uma série de barreiras legais que deveriam respeitar. A brecha que se abre tem de ser mínima, configurando claramente a excepcionalidade da ajuda e ampliando as punições dos administradores estaduais. Sendo o Congresso o que é, o desfecho da novela não será animador.
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