- O Estado de S. Paulo
Com a morte trágica e inesperada de Teori Zavascki, Michel Temer ganhou um problema, um presente e uma oportunidade. Pela ordem: nomear um ministro do STF que poderia vir a julgá-lo, influir ainda mais na Lava Jato e submeter a rival Cármen Lúcia a uma situação delicada. A tática escolhida para resolver o problema foi usar a oportunidade para tentar desembrulhar o presente.
Ao dizer publicamente que iria esperar a nomeação do novo relator da Lava Jato antes de indicar o substituto de Teori no Supremo, Temer jogou a responsabilidade no colo da presidente do STF. Ele escolheu o lado do tabuleiro, e deixou as brancas com a ministra – sempre cotada para substituí-lo, em caso de necessidade. De quebra, Temer libertou seu futuro indicado do peso de relatar a Lava Jato e, assim, ganhou espaço para escolher alguém de confiança, pensando em julgamentos futuros.
Diante da jogada palaciana, Cármen Lúcia viu as pressões se multiplicarem ao seu redor. O líder da bancada governista no STF agiu para conduzir a presidente do tribunal a consultar seus colegas antes de decidir. É a chave para sortear a função de relator entre os ministros da Turma onde Teori atuava. Desse modo, as chances de a sorte brindar um magistrado mais aberto aos argumentos dos réus superariam as de um cara ou coroa.
Some-se ao novo e desapressado relator no STF a interminável burocracia do Ministério da Justiça para fechar o acordo com a Suíça que produziria provas decisivas contra os investigados pela Lava Jato: Temer teria diante de si uma probabilidade muito aumentada de ganhar tempo – artigo indispensável para a economia se reaquecer e sua popularidade sair do pântano.
Mesmo que a jogada produzisse reações negativas entre os defensores da Lava Jato, Temer não se desgastaria sozinho. No mínimo, arrastaria Cármen Lúcia para o meio da confusão.
Parecia ter sido um lance de Kasparov, não fosse o contragolpe da magistrada. Primeiro, ela moveu os peões: autorizou os juízes auxiliares de Teori a retomarem os trabalhos de homologação das delações bombásticas de 77 executivos da Odebrecht. Com esse simples lance, Cármen Lúcia retomou a iniciativa do jogo e devolveu ao tabuleiro a possibilidade de as denúncias odebrechtianas virem a público ainda em fevereiro.
Os movimentos de Cármen Lúcia continuaram, colocando o bispo na jogada. Após conversar com Rodrigo Janot, o procurador-geral da República formalizou pedido de urgência para a ministra homologar as delações premiadas antes do fim do recesso do Judiciário, que termina na terça-feira. Com isso, ele criou uma justificativa formal para a presidente do STF poder decidir sem ter que esperar seus pares voltarem de férias.
Cármen Lúcia tem agora a mão sobre a dama. Espera os peões trabalharem para poder colocar o rival em xeque: abriu a possibilidade de – antes de redistribuir a Lava Jato para algum colega – ela própria homologar as tão temidas delações dos empreiteiros que patrocinaram quase todo mundo que importa em Brasília. Bastou antever o lance para o Planalto piscar.
Temer e a turma do Pudim fizeram chegar a Cármen Lúcia que seria melhor ela esperar o fim do recesso e, assim, deixar o futuro da Lava Jato ser decidido pelo conjunto do tribunal. Quem sabe, então, o presidente ouvisse a magistrada com muita atenção antes de nomear o substituto de Teori.
Como enxadristas que reconhecem a força do adversário, os grandes mestres brasilienses preferem a certeza do empate do que arriscar uma jogada que tanto pode levar à vitória quanto provocar a derrubada do seu rei. É a vez de Cármen.
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