- Correio Braziliense
• A questão de fundo é a relação entre o caixa dois eleitoral e os crimes conexos: corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, etc.
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármem Lúcia, pisou no acelerador da delação premiada da Odebrecht, que pretende homologar antes que o relator seja nomeado. A equipe do falecido ministro Teori Zavascki trabalha em ritmo acelerado para ouvir os 77 executivos que fecharam o acordo com o Ministério Público Federal (MPF). Os depoimentos são formalidades: precisam apenas confirmar que foram feitas as delações por livre e espontânea vontade. Pedido do procurador-geral, Rodrigo Janot, que solicitou agilidade do Supremo, corrobora a decisão da ministra Cármem Lúcia.
Com o trabalho deve se estender até a segunda semana de fevereiro, é muito provável que o novo relator seja indicado quase simultaneamente à homologação. Na verdade, a delação premiada da Odebrecht é uma espécie de pasta de dente fora do tubo. Não tem mais volta. O que não se sabe ainda são as suas consequências, uma vez que se fala em mais de 250 políticos citados nos 950 depoimentos tomados pelo MPF. Por essa razão, embora a indicação do ministro que vai ocupar a vaga de Teori no Supremo fique para depois da escolha do relator, seu nome já está sendo alvo de fortes especulações.
Nos meios jurídicos, a torcida é pela indicação de um relator com perfil conciliador e discreto. Os ministros mais citados são Edson Fachin, que nesse caso mudaria da Primeira para a Segunda Turma do STF e herdaria o processo, e Celso de Mello, decano do tribunal, que já é daquela turma. De qualquer forma, caso haja sorteio, a escolha do novo relator pode virar uma roleta russa. Ninguém no Supremo, porém, deseja que a solução gere mais polêmica do que já existe em relação à Lava-Jato. Mas, dependendo do sorteado, haverá muita polêmica.
Fora do tribunal, nos meios políticos, todos clamam por um “garantista” na vaga de Teori no STF. O presidente Michel Temer ampliou as consultas sobre o nome que pretende indicar, principalmente no Senado, que homologará a indicação. É lá que se encontram os mais poderosos adversários da Operação Lava-Jato. Se a opção for prata da casa do governo, o nome mais forte é mesmo o do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que é respeitado como jurista; se for um magistrado, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins Filho, atropelou os concorrentes no fim de semana, mas foi para o pelourinho nas redes sociais.
Católico fervoroso, Gandra Filho tem posições conservadoras. Fez voto pobreza e de castidade, em nome da crença religiosa e de uma “decisão de Deus”, mas é respeitado como jurista e tem o apoio do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Paulo Skaf. É uma indicação muito polêmica, que enfrenta oposição também por ser a favor da reforma trabalhista. A indicação de Gandra Filho alteraria um pouco a correlação de forças no Supremo quanto às questões de costumes, porém isso não significa mudança em relação à Operação Lava-Jato.
A questão de fundo no julgamento da Lava-Jato é a relação entre o caixa dois eleitoral e os crimes conexos: corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, etc. Por essa razão, a anistia para o caixa dois eleitoral é um dos principais temas da eleição para presidente da Câmara e continua na ordem do dia no Senado. Políticos que receberam doações eleitorais legais da Odebrecht querem um tratamento diferenciado em relação aos que comprovadamente receberam recursos do caixa dois da empresa, inclusive no exterior, mas é praticamente impossível que cheguem a um acordo no Congresso. Ou a anistia sai para todo mundo, ou não sai. É nesse pé que está a situação desde o ano passado.
Contingência
Não havendo mudança na legislação, quem vai separar o joio do trigo é o Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da interpretação da legislação atual pelo relator da Operação Lava-Jato, que precisa ser referendada pela maioria dos ministros em plenário. Isso somente ocorrerá quando for iniciado o julgamento dos envolvidos no escândalo da Petrobras. Não existe outra possibilidade, a não ser que a anistia seja aprovada pelo Congresso, o que é muito difícil de acontecer por causa da pressão da opinião pública.
A Operação Lava-Jato é parte de um processo de transição, que desaguará nas eleições de 2018, nas quais estarão em debate a crise ética, o modelo de capitalismo de laços que implodiu com o escândalo da Petrobras e o padrão de financiamento dos partidos políticos. O governo Temer terá de conviver com o processo judicial e as tensões no Congresso para sobreviver até lá. Não pode fazer muito quanto a isso, a não ser dar baixa nos que forem fulminados pelas delações. Temer está a salvo delas, até porque não pode ser investigado por fatos anteriores ao seu exercício do mandato, mas isso não significa que esteja livre dos desgastes causados pelas revelações que virão à luz com a homologação do acordo de delação premiada da Odebrecht.
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