segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Cartas na mesa, Temer ensaia um recomeço - Angela Bittencourt

- Valor Econômico

• Spread cristaliza acima de 20%; juro e dólar desabam

O mercado financeiro promove uma revisão de taxas de juros e de câmbio neste início de 2017. É mais uma observada desde o último ano, mas talvez a mais importante neste momento em que o presidente Michel Temer tem a oportunidade de recomeçar o seu governo no embalo de uma nova Legislatura e definição dos titulares no comando da Câmara e do Senado. Tão relevante quanto a eleição dos presidentes das duas casas é a definição do ministro Edson Fachin - escolhido por sorteio entre seus pares - para a relatoria da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal. Fachin substitui Teori Zavascki.

Apesar das goteiras provocadas pelo peso das últimas decisões de Temer - criar dois ministérios e promover o ex-secretário do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), Moreira Franco, a ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência -, a arrumação da casa pode atrair novos inquilinos para moradia permanente e também os que estão só de passagem. Se confirmada a possibilidade, os ativos brasileiros passarão por outra rodada de reavaliação de preços frente a riscos ainda menores.

Que a vitória de Rodrigo Maia (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara e de Eunício Oliveira (PMDB-CE) para o comando do Senado dão vantagem e conforto para Temer nas próximas votações é inegável e, esperamos, positivo para o Brasil. Contudo, é precipitado afirmar que a equipe econômica será bem-sucedida em promover o arranque da economia. Expandir o crédito - sem dúvida uma alavanca para as expectativas - não é tarefa tão simples. Executivos experientes e influentes no sistema bancário ainda não sabem ao certo se, mesmo com a disposição dos bancos para emprestar, haverá um batalhão de tomadores interessados no dinheiro.

Aquecimento temporário do crédito é possível, embora arriscado. Mas uma mudança consistente, duradoura, no cenário econômico ainda depende de confiança em propósitos e decisões de governo. Nesse sentido, as ações tomadas por Temer na semana passada pouco ajudam e até por um único motivo: o presidente demonstrou que nada mudou na administração de necessidades e interesses.

Práticas condenadas pelos brasileiros - como demonstram sondagens recentes - se repetem. Cargos são criados para dar liga à base aliada ou proteger auxiliares mais próximos. E não é certo que as recentes decisões do presidente Temer lhe darão um bônus. É ingênuo, aliás, supor que há certezas na política.

As votações de reformas engatilhadas - Previdência, trabalhista, tributária e política - poderão confirmar que ao presidente foi conferido um bônus. A proximidade do calendário eleitoral de 2018 também servirá de aceno semelhante a Temer. Porém, o presidente já arca com o ônus da criação de ministérios e da promoção de Moreira Franco. O agora ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, citado na Lava-Jato, ganhou foro privilegiado. Esse episódio tem sido fartamente comparado nas redes sociais à tentativa da ex-presidente Dilma Rousseff de tornar ministro o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Até por essa percepção, o empenho da equipe econômica em levantar o crédito como bandeira pró crescimento precisa dar resultado. Mas não dá para ignorar que as famílias brasileiras estão lascadas por dívidas além do recomendado e/ou por ter de manter parentes desempregados.

Levantamento feito pela coluna confirma que juro, câmbio e seus produtos derivados têm revelado uma evolução inédita em anos. Confirmada a consistência desses movimentos - que também são condicionantes de expectativas -, o Brasil tende a atrair novos investimentos. Não dependentes, necessariamente, de crédito doméstico.

Sinal de que o governo tem desafios nada pequenos a transpor nessa questão é evidente, por exemplo, quando o spread bancário (diferença entre custo de captação e remuneração dos empréstimos) exibe grande estabilidade, enquanto as taxas de juros - básica ou negociadas no mercado futuro - sofrem fortes ajustes.

No ano passado inteiro, o spread médio das operações de crédito permaneceu no patamar de 20%. A taxa mínima mensal (20,16%) foi registrada em janeiro. Em dezembro o spread médio estava em 23,5%. E sem qualquer evidência de queda em janeiro deste ano. Entretanto, as taxas de juros poderão tombar 4 pontos percentuais até o fim deste ano.

Em dezembro, daqui a quase 11 meses, operações financeiras poderão ser embaladas por Selic a 9% e até 8% na visão de profissionais mais otimistas. Essa taxa está na antessala de 2018 e ali foi colocada por especialistas que sustentam a premissa de que o Banco Central não vai ofuscar a queda do custo do dinheiro no país. Não há consenso quanto a isso, mas eles podem ter razão, se o processo de reformas não empacar na definição do teto de gastos para o setor público.

A reforma da previdência - urgente e necessária - elevará a confiança de grandes investidores na disposição do BC de reduzir juros e contribuir para melhorar as expectativas e o esforço pelo crescimento econômico. Uma reforma competente promete bons resultados futuros. Já uma reforma meia-sola quase sempre destrói expectativas e impõe retrocessos.

O levantamento feito pela coluna com preços de ativos mostra um intenso balizamento de juros de prazos mais longos à inflação domada. Dez por cento ao ano é taxa negociada até o final do próximo mandato presidencial, cujo titular será eleito em outubro de 2018. No ano passado, os juros futuros caíram cerca de 4 pontos até abril/maio, momento de euforia com o acolhimento do pedido de impeachment de Dilma pela Câmara. Certa estabilidade se estendeu até agosto/setembro, quando ela foi afastada do cargo em definitivo e Michel Temer se tornou o presidente. O dólar teve trajetória semelhante - saiu de mais de R$ 3,90 para menos de R$ 3,60 em abril/maio, no fim de agosto estava em R$ 3,23. Em janeiro já testou o piso de R$ 3,10.

O câmbio e a bolsa não são imunes a influências externas. No ano passado, reagiram ao Brexit, à campanha eleitoral que culminou com Donald Trump presidente dos EUA, dados animadores da economia americana e ao discurso do Fed, que evoluiu, enfim, para o aumento do juro.

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