‘Não quero ser síndico’
• Novo presidente da Funarte, Stepan Nercessian diz que, diante do orçamento cada vez menor, é preciso rever os custos internos da fundação para retomar fomento às artes
“O país vive um momento confuso. A insegurança é total. Não sabemos o que vai acontecer a cada dia dessa novela Brasil, mas no meio disso acho que tenho uma contribuição a dar”
Luiz Felipe Reis | O Globo
Em dezembro, o ator Stepan Nercessian foi o terceiro nome a assumir a presidência da Fundação Nacional de Artes (Funarte) em 2016. Após a saída de Francisco Bosco (2015-2016) e de Humberto Braga, que ficou apenas quatro meses no cargo, Stepan, de 63 anos, assumiu o posto a pedido do ministro da Cultura, Roberto Freire, seu companheiro de partido (PPS) e “amigo de longa data”, diz o ator. Recém-empossado, encontrou problemas. Com o orçamento em queda — de R$ 172,2 milhões em 2014 para R$ 170,2 milhões em 2015 e R$ 135,2 milhões em 2016 —, a Funarte viu crescer o desafio de cumprir o objetivo para o qual foi criada, em 1994: desenvolver políticas públicas de fomento às artes em território nacional. Com a verba disponível para este ano espremida pela folha salarial e por custos administrativos e operacionais, o novo presidente do órgão diz buscar “reestruturar o orçamento interno para sobrar mais dinheiro para nossas ações de fomento”. No entanto, para efetivar seus planos dependerá da disponibilidade do ministério de injetar mais recursos na instituição.
• Você assumiu a Funarte no fim de um ano de grande instabilidade, em que a fundação pouco realizou. O que o fez aceitar o convite em meio a sucessivas baixas no orçamento?
Realmente não era o momento em que eu estava interessado em assumir um compromisso político. Estava focado na minha carreira, fazendo o “Chacrinha — O musical”, no teatro, e alguns filmes. Fora que, nesses cargos, você nunca sabe por quanto tempo fica. Às vezes se passam meses e tudo muda, como vimos em 2016. Levei minha preocupação ao Roberto (Freire), mas ele disse que não era só um convite, mas um pedido, que precisava de mim. Nós temos uma ligação de muito tempo, desde o PCB. Viajamos muito pelo Brasil, fomos parlamentares juntos, e aceitei. O país vive um momento confuso. A insegurança é total. Não sabemos o que vai acontecer a cada dia dessa novela Brasil, mas no meio disso acho que tenho uma contribuição a dar. Tenho alguma experiência na área, não sou um leigo.
• O ministro determinou a você um plano de voo, com ações que ele espera de você?
Não, ele me deixou à vontade para fazer o que eu imaginar.
• Mas que situação você encontrou? Uma queixa comum aos últimos presidentes era a frustração por não encontrar os meios de realização para os projetos imaginados.
Quando cheguei usei uma expressão que deixei de usar... Mas dizia: “Isso aqui é um transatlântico encalhado”. E isso não é uma particularidade da Funarte, mas do serviço público em geral, e concordo com os ex-presidentes em relação às dificuldades de realização. Se eu colocar na parede o retrato de cada ex-presidente vamos ver que eram pessoas bem intencionadas, com ligação profunda com a arte e com a cultura e, no entanto, passaram sem conseguir fazer muito mais do que botar óleo na caldeira desse transatlântico para a luz ficar acesa e o barco não afundar, mas acontece que estamos na era dos drones. As coisas precisam ser feitas com mais agilidade, e vou atacar esse problema.
• Mas de que modo? Em 2014 a Funarte teve um orçamento total de R$ 172 milhões, que declinou desde então. Desse total, a fatia do orçamento para as áreas meio (atividades administrativas) e fim (manutenção de espaços e fomento às artes) foi, em 2015, de R$ 80,8 milhões, e em 2016 caiu para R$ 67,8 milhões.
Estou com a mão nesse orçamento para reestruturá-lo, o que envolve corte de custos. Ainda não sei como, mas vai ter que sobrar mais dinheiro para as ações finalísticas, para o fomento às artes. Não estou aqui para ser síndico, quero realização.
• Nessas baixas, a fatia do orçamento para as ações de fomento tem sido esmagada, já que os custos de base têm se elevado a cada ano.
Sim, isso acontece, mas foi sendo aceito como realidade. Vou trabalhar para reajustar isso.
• Dada sua proximidade com o ministro, irá pleitear um incremento no orçamento?
Sem dúvida, vou lutar, mas também há trabalho a ser feito dentro do orçamento que temos. Verei onde posso cortar custos para que sobre mais dinheiro para investir em realização.
• E qual é o orçamento da Funarte para 2017?
Até o momento é de R$ 72 milhões (ainda não foram definidos os recursos de outras fontes que compõem o orçamento total da Funarte). Desse valor, sobram R$ 8 milhões para cuidar dos espaços e apenas R$ 2 milhões para fomento às artes. Então não dá. Não tem dinheiro, mas temos que mudar o foco. Vou reorganizar esse orçamento, sabendo que isso implica em questões internas. Dos nossos 600 funcionários, 300 estão aposentados, e temos mais 60 perto de se aposentar. Isso gera um enorme impacto, pois cresce o número de terceirizados, e a folha também. Mas quero mexer nisso. Não adianta eu ficar aqui elaborando planos sinceros, artísticos, e não mudar essa situação.
• Em 2016 a Funarte não lançou o seu Programa de Fomento às Artes, que contém os editais específicos para cada vertente artística (em 2015 os editais somaram cerca de R$ 20 milhões). Por que não foi lançado?
Esses editais são garantidos por recursos de outras fontes, que expandem o orçamento-base da Funarte, ou seja, verbas do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Mas em 2016 não vieram os recurso do FNC, por isso os editais não foram lançados.
• O orçamento-base da Funarte, portanto, não garante as ações de fomento às artes?
Não. Em 2017, como disse, até o momento teríamos só R$ 2 milhões para fomento.
• Mas por que o fundo não encaminhou verba para a Funarte em 2016?
Havia poucos recursos. Quando houve a mudança de governo o orçamento foi contingenciado, e só foi recomposto em setembro. Só aí houve uma liberação de R$ 4 milhões vindos do FNC, mas esse valor acabou não sendo efetivado.
E o que a Funarte fez com os R$ 4 milhões?
Devolveu ao MinC.
• O programa será lançado em 2017?
Não podemos afirmar ainda. Mas para esses editais e outros grandes projetos os recursos do FNC são fundamentais.
Ao lado de Stepan, o diretor-executivo da Funarte, Reinaldo Verissimo, intercede:
Há uma diferença entre 2016 e 2017. Em 2016 tivemos um impeachment, três ministros da Cultura, o orçamento demorou a ser definido, e a sua execução foi muito afetada. Em 2017, o orçamento sai agora, no primeiro trimestre, e o ministro está trabalhando para incrementar as ações finalísticas.
• Como o ministro pode incrementá-las?
O Roberto dialoga com todos os setores, tem força política, experiência de parlamento e senado, e isso pode nos ajudar muito. Ele tem nos aproximado do ministério.
• E como o ministro e a Funarte podem buscar verbas para além do FNC?
Através de convênios, emendas parlamentares... Mas agora o Roberto está trabalhando em mudanças na Lei Rouanet, por exemplo, e um dos objetivos é que as estatais possam financiar, através da lei, projetos do MinC e da Funarte.
• E quais são os seus planos de ação, se contornados os entraves financeiros?
Quero retomar o projeto Pixinguinha, que precisa ser redesenhado para caber na atualidade, assim como o Mambembão (dedicado à circulação nacional de peças teatrais). E investirei na criação da Funarte Digital.
• Como seria isso?
A ideia é fortalecer a presença da Funarte no âmbito digital, com o objetivo de potencializar a ligação e a comunicação entre a Funarte com todas as regiões do país, e com o mundo. As pessoas reclamam, com razão, da falta de atenção e diálogo da Funarte com regiões fora do Sudeste. Às vezes parece que estamos décadas atrás, quando se pegava um navio para se saber o que acontece no Norte. A internet será uma ferramenta de comunicação e de aproximação.
• Isso envolve a digitalização do acervo da Funarte? Como pensa em cuidar do acervo?
Nós temos um acervo incrível, mas encaixotado. Precisa ser digitalizado. É um acervo editorial, de música, de artes visuais, teatro... Quero fazer da Funarte Digital um espaço virtual relevante, bilíngue, com conteúdo e informações precisas.
• Em relação à editora da Funarte, quais são seus planos?
Estamos lançando uma coleção de ensaios muito importante( “Ensaios Brasileiros Contemporâneos”), que foi idealizada pelo Bosco. Quatro volumes saem agora (o lançamento será amanhã, na Travessa do Leblon), e depois sairão mais cinco. Mas antes de cada projeto quero pensar: para quem, para que, por que, e quem vai ter acesso? Isso vale para livro, teatro e demais atividades.
• Para a ocupação de seus teatros, a Funarte já trabalhou com um modelo que oferecia aporte financeiro para a realização de projetos. Mas nos últimos anos os editais passaram a oferecer apenas a cessão do espaço, sem verba. O que planeja fazer?
Agora, por exemplo, acabamos de montar uma comissão para escolher os projetos que irão ocupar as salas de janeiro a março, e conseguimos uma verba para realizar o pagamento aos artistas. Em relação aos teatros, quero cortar intermediários e tentar estabelecer uma relação mais direta com os artistas, oferecendo uma verba para que ocupem nossos espaços.
• O edital não seria um meio mais democrático?
Não o descarto. Posso lançar um edital para ocupar os teatros nos horários nobres, mas quero ter autonomia para realizar ações. Não quero ser um fazedor de edital, sem estabelecer uma política mais direta, de escolher como trabalhar os nossos espaços. Também quero pensar nos grandes temas contemporâneos. Quem sabe um edital para incentivar a dramaturgia, para que as pessoas possam criar a partir de temas ou questões urgentes?
• E imagina quais seriam esses temas ou recortes?
Por exemplo, estive no prédio da Funarte em São Paulo, todo rodeado por centenas de viciados em crack que moram na rua, no entorno, e não entram no espaço. Então qual é a nossa função? De repente temos que fazer alguma coisa a respeito disso que está na nossa porta. Pensar em política pública para a arte e cultura deve ser também pensar em como incentivar discussões. Isso aqui é um serviço público.
• Qual é, a seu ver, a principal função da Funarte?
É um serviço público, ligado a arte. Então, assim como um serviço público de saúde, precisamos socorrer urgentemente o público que não tem acesso, os estudantes que precisam de uma ponte para o campo profissional, e os artistas não absorvidos pelas leis de mercado que se encontram em dificuldades para realizar suas criações. Tudo isso com o objetivo de que todas as pontas tenham suas vidas melhoradas, transformadas. Sei que os desafios são muitos, que as pessoas que estiveram aqui eram capacitadas, então não tenho ilusão. O que eu tenho é entusiasmo, esperança, coragem de romper com as dificuldades e vontade de realização.
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