Mesmo após empreiteiras investigadas pela Lava-Jato fecharem acordos de leniência, grandes obras continuam paradas.
Leniência e obras paradas
• Mesmo após acordos com MP, empreiteiras não retomam construções; país já gastou R$ 50 bi
Gustavo Schmitt, Dimitrius Dantas | O Globo
-SÃO PAULO- Pelo menos sete empreiteiras já fecharam acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da operação Lava-Jato. Ao todo, elas devem ressarcir os cofres públicos em R$ 8,7 bilhões. A colaboração com as autoridades, no entanto, não foi suficiente para fazer deslanchar seis grandes obras paralisadas, que já custaram R$ 50 bilhões aos governos e deixaram milhares de desempregados.
Odebrecht e Braskem vão pagar R$ 6,9 bilhões no âmbito do acordo ao MPF. A Andrade Gutierrez pagará pelo menos R$ 1 bilhão. A Camargo Corrêa repassará R$ 700 milhões ao MPF e R$ 104 milhões ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A britânica Rolls Royce, mais R$ 81 milhões. Carioca Engenharia e o Grupo Setal, com R$ 10 milhões e R$ 15 milhões, respectivamente, completam a lista.
Em consequência da corrupção revelada pela Lava-Jato e pela crise que assola a economia do país — impactando sobretudo os setores imobiliário e de construção em geral —, as empreiteiras viram seu quadro de funcionários minguar e o faturamento cair.
Em 2014, a Odebrecht tinha 168 mil colaboradores em seu quadro. O último dado oficial é de 128 mil, em dezembro de 2015. No entanto, o efetivo hoje é ainda menor e estaria próximo dos 100 mil. A receita bruta da empresa caiu R$ 5,9 bilhões apenas no ano passado, se comparado ao ano de 2015 — de R$ 132,5 bilhões para R$ 126,6 bilhões.
Entre as obras que ficaram pelo caminho e que têm a participação da Odebrecht, está o BRT Transbrasil, o último dos corredores viários do Rio, necessário para fechar um anel interligando 155 km de vias expressas. O projeto custará R$ 1,4 bilhão e já consumiu pelo menos R$ 700 milhões, a metade. O canteiro foi paralisado em julho do ano passado. O consórcio responsável diz que a suspensão dos trabalhos ocorreu por decisão da prefeitura do Rio e que não recebe reajuste contratual desde novembro de 2015 para manter o equilíbrio econômico-financeiro. O secretário municipal de Urbanismo, Infraestrutura e Habitação, Índio da Costa, tem dito que busca acordo com o consórcio para retomar a obra. Por ora, não há prazo de conclusão.
ODEBRECHT DEMITIU 51 DOS 77 DELATORES
Em São Paulo, está paralisada a linha 6 do metrô, estimada em R$ 9,9 bilhões, sob a responsabilidade de Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP). Segundo a secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo, a obra foi suspensa em setembro de 2016 porque as empresas alegaram dificuldades para obtenção de financiamento do BNDES. O estado diz que já alertou a concessionária sobre a possibilidade de multas e outras penalidades contratuais. A concessionária diz que trabalha para tomar o empréstimo junto ao banco e que negocia com o estado um reequilíbrio da PPP.
Conselheiro da Odebrecht SA e coordenador do comitê de conformidade da holding, Sérgio Foguel afirma que, dos 77 executivos que fecharam acordo de delação homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), 51 foram demitidos. Os outros 26 foram afastados — incluindo Marcelo Odebrecht, que se licenciou do cargo de presidente da Odebrecht S. A. em dezembro de 2015, seis meses depois de ser preso. Segundo Foguel, a empresa estabeleceu normas de conformidades, que foram aprimoradas a partir da assinatura do acordo de colaboração com a Justiça brasileira. Ele disse que as diretrizes seguem padrões internacionais de governança.
A empreiteira será acompanhada por duas auditorias — uma americana e uma brasileira —, conforme previsto nos acordos firmados com Departamento de Justiça americano e com o Ministério Público Federal (MPF).
— As práticas mudaram desde junho do ano passado. Concluímos um plano com metas e qualquer desvio de conduta pode implicar até na remuneração do funcionário — afirmou Foguel, que trabalha para recuperar a imagem da empresa.
Outra gigante da construção, a Camargo Corrêa, participou das obras da refinaria Abreu e Lima, que sofre com diversos atrasos desde 2005 e só deve ser entregue em 2021. A previsão é que o custo alcance R$ 20 bilhões, quase dez vezes mais que o orçamento inicial de R$ 2,3 bilhões. Em nota, a Petrobras diz que busca sócios para terminar a última etapa da refinaria. A Camargo afirma ter concluído a parte que lhe cabia na Abreu e Lima.
A empreiteira chegou a ter 28 mil funcionários em 2014. As denúncias de corrupção, a crise econômica e o fim dos megaprojetos para a Olimpíada levaram a construtora reduzir drasticamente o quadro de pessoal, hoje em 16 mil funcionários.
Diretor-executivo de compliance da Camargo desde outubro, Renato Pires afirma que a empresa fez uma revisão de seu código de ética e desde então demitiu cinco funcionários por conta do “descumprimento de normas internas".
— Criamos uma política de consequências para o descumprimento das normas, que vai da demissão ao ressarcimento de dados por parte do funcionário. Também temos um programa interno de incentivo à colaboração dos nossos funcionários, no qual a empresa assume o pagamento das multas e dos advogados de defesa deles. Não há paternalismo — disse Pires.
Ele ainda citou outras medidas como um pente fino num cadastro de 4 mil fornecedores, reavaliado agora a cada seis meses, e um política de relacionamento com agentes públicos, cujos contatos devem ser reportados em relatórios.
Na lista de projetos parados ou que seguem a passos lentos também há obras da Andrade Gutierrez. Entre elas estão a usina nuclear de Angra 3, orçada em R$ 6 bilhões, no Rio, onde pelo menos 1,1 mil trabalhadores foram demitidos, e o lote 4 da ferrovia Oeste-Leste, entre Ilhéus e Barreiras.
O Comperj (Complexo Petroquímico do Rio) teve a participação de 19 empresas e consórcios. A Petrobras informou que prevê o início da operação no primeiro trimestre de 2020, com o funcionamento da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN). A estatal busca parceiros e prevê investir ainda R$ 2 bilhões na obra, que já consumiu US$ 13,5 bilhões de dólares (R$ 42 bilhões, pela cotação atual).
A Eletrobras afirma que trabalha para retomar as obras de Angra 3 em meados de 2018 e prevê a entrada em operação da usina em 2022. Em nota, a Andrade Gutierrez disse que além, do acordo com o MPF, assinou três acordos com o Cade sem penalidades financeiras. A empreiteira disse ainda que implantou a ISO 19.600 (Sistema de Gestão de Compliance).
A Carioca Engenharia informou que aprimorou seu sistema de compliance. Representantes da Setal e Rolls-Royce não foram encontrados para comentar o assunto. O MPF informou que negocia com mais duas empresas.
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