Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), julgando que a toga lhes confere superpoderes, entendem que suas atribuições não se limitam a dar a palavra final sobre processos judiciais. Também consideram ser seu dever interferir no Legislativo, muitas vezes legislando eles próprios. Essa ingerência escancarada em outro Poder tem gerado impasses que, se de longe parecem apenas patéticos, de perto motivam grave preocupação institucional. Afinal, uma ordem do Supremo pode até ser discutida, mas jamais deve ser descumprida, como tem feito o Congresso em relação a um punhado de determinações da máxima instância judicial do País. Ao mesmo tempo, não cabe ao Congresso abdicar de seu papel essencial, que é o de fazer as leis do País, conforme seu regimento e em respeito ao mandato que lhe foi conferido pelos eleitores. Pois nos casos em questão, levantados em recente reportagem do Estado, os parlamentares, se acatassem as decisões do Supremo, estariam abrindo mão de exercer as funções para as quais foram eleitos. Como resultado, o que se tem é uma dupla desmoralização – do Congresso, ao ver suas deliberações soberanas barradas pelo Supremo, e do Supremo, ao ver suas decisões irrecorríveis sendo simplesmente ignoradas pelo Congresso.
O caso mais absurdo é o do famoso pacote de dez medidas contra a corrupção. Em 14 de dezembro, o ministro do STF Luiz Fux concedeu uma liminar em que mandava o Senado devolver o projeto à Câmara, sob o argumento de que os deputados haviam desvirtuado as medidas. Segundo o ministro Fux, houve “sobreposição do anseio popular pelos interesses parlamentares”, como se os deputados não tivessem o direito de emendar projetos. Fux entendeu que o projeto deve ser apreciado novamente pela Câmara, sem modificações e sem ser vinculado a nenhum parlamentar, tal como apresentado pelos procuradores da Operação Lava Jato e endossado por 2,2 milhões de assinaturas. Ora, o Congresso não é mero carimbador de projetos, venham eles de iniciativa popular, venham do Executivo.
Além disso, a tramitação do projeto seguiu rigorosamente o que está previsto no regimento da Câmara, e as mudanças promovidas pelos deputados são legítimas. Mas o ministro Fux – talvez contaminado pela epidemia de ativismo judicial, que leva magistrados imbuídos de certezas morais a pretender corrigir os erros do mundo a partir de suas convicções, e não da lei – parece acreditar que, por se tratar de projeto de iniciativa popular, subscrito por milhões de cidadãos, tem peso de mandamento.
Passados dois meses, o Senado ainda não cumpriu a ordem de Fux. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça e até já recebeu sugestões de emendas. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse ao jornal O Globo que não há decisão sobre o assunto.
O mesmo se deu em relação à Lei Geral de Telecomunicações. O ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou que a lei, aprovada no Senado, não fosse enviada à sanção presidencial até que todos os recursos apresentados fossem apreciados. Dois dias depois, o Senado enviou o texto para a sanção presidencial. Para o senador Renan Calheiros, líder do PMDB, a ordem do ministro do STF configurou interferência no processo legislativo: “Que me desculpe o ministro Barroso, mas ele não tem essa competência”.
Renan, aliás, foi o protagonista de outro caso de descumprimento explícito de uma ordem do Supremo por parte do Congresso. Em dezembro, uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello mandou afastar Renan da presidência do Senado, decisão que obviamente só poderia ser tomada pelos pares do senador. A liminar foi olimpicamente desconsiderada pelos parlamentares, que preferiram esperar uma manifestação do pleno do Supremo.
Infelizmente, não há razão para acreditar que tais episódios embaraçosos não vão se repetir. Nesse duelo de Poderes, não haverá vencedores – e o grande perdedor é o equilíbrio institucional, necessário para a paz social.
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