- Valor Econômico
Hartung vai devagar com o andor na Previdência dos PMs
Primeiro de classe no ajuste fiscal, o governador do Espírito Santo é um defensor contumaz da reforma da Previdência. Costuma advertir que o Brasil pode virar uma Grécia se recuar no enfrentamento fiscal. Há 13 dias seu Estado tornou-se alvo de uma rebelião de policiais militares. Ele estava no centro cirúrgico do Sírio-Libanês, em São Paulo, onde se submeteu à retirada de um tumor que comprometeu 40% de sua bexiga.
O governador voltou ao batente ainda com uma cicatrização em curso, acusou os policiais de chantagem e covardia e debelou o motim que registrou, nos 13 primeiros dias de fevereiro, 147 homicídios, 85 a mais do que aqueles contabilizados durante todo este mês em 2016. Debelado o momento mais agudo da crise, Hartung retoma a defesa do ajuste fiscal e da reforma da Previdência, mas contorna o vespeiro.
Indagado, numa conversa por telefone, se defende a extensão das novas regras de idade mínima e de tempo de contribuição dos servidores para os policiais militares, o governador diz que a categoria se enquadra entre as carreiras típicas de Estado. Pelo risco de vida e stress embutidos na atividade, deve ter regras próprias. Não se conforma que o policial se aposente aos 49 anos, mas daí que as regras sejam igualadas ao conjunto do funcionalismo é esticar demais a corda.
Levantamento do site 'Contas Abertas' mostrou que a polícia militar do Espírito Santo reproduz as mesmas discrepâncias salariais de outros Estados da federação. Em janeiro deste ano, 930 policiais tiveram remuneração acima de R$ 10 mil enquanto 3.932 soldados receberam menos de R$ 2,6 mil. O comandante geral da PM excedeu em R$ 7 mil os vencimentos do governador, de R$ 19,4 mil. Hartung reafirma que sua remuneração é o teto e diz que os vencimentos dos soldados ultrapassam os R$ 3 mil devido a um pagamento extra, não incorporado ao salário.
Como no resto do país, a maioria dos soldados nunca chegará a sargento e se aposentará com vencimentos ainda mais díspares em relação aqueles recebidos pelo topo do oficialato. A proliferação de coronéis aposentados na folha de pagamentos é alvo de reclamação de todos os governadores e motivou pressão dos Estados pela inclusão da PM na reforma da Previdência.
Escaldado pelo motim, o Hartung parece mais afinado com o governo federal que, preocupado com a disseminação da crise dos policiais militares para o resto do país, resolveu adiar a reforma da Previdência de militares para o segundo semestre.
Em São Paulo e no Rio a relação entre coronéis aposentados da PM e aqueles que estão na ativa é de cinco para um. Em Minas Gerais, chega a sete. O Espírito Santo tem dez em exercício para 235 na reserva. A estatística, no entanto, não preocupa o governador. Tampouco a insatisfação que essa discrepância gera nos quartéis. A concorrência de duas polícias, civil e militar, recorrentemente apontada como o buraco negro da segurança pública, é outro tema que não está entre suas prioridades.
A agenda, diz, já está excessivamente congestionada para que se possa gastar energia em discussões como esta - "Tem que dar o tiro certo". Depois desta crise, as balas restantes de seu tambor se destinarão a dar aos comandantes mais condições de gerir a tropa.
Na virada do século, Vitória era a capital mais violenta do país. O crime organizado dava as cartas na política estadual a partir da Assembleia Legislativa, comandada pelo lendário José Carlos Gratz. Empresário do bingo e do bicho, o ex-deputado chegou a ser preso por improbidade administrativa mas teve 18 processos anulados de uma só penada pelo STJ em 2015, na era da Lava-Jato, pela nulidade da quebra de sigilo bancário pela Receita, sem ordem judicial.
O cenário mudou quando a oposição se uniu para derrotar o governo do PSDB, aliado de Gratz. Hoje adversários políticos, Paulo Hartung, que está no terceiro mandato, e o ex-governador Renato Casagrande, hoje no PSB, sucederam-se no governo do Estado com políticas de tolerância zero com a criminalidade, além de reformas e ampliação de vagas nas penitenciárias que derrubaram as taxas de homicídio por sete anos consecutivos e puseram fim a constantes rebeliões de presos.
Surpreendido no auge de sua carreira política por um motim que reabriu o que parecia uma página virada na história do Estado num momento em que projetara sua gestão e chegou a ser dado como alternativa nacional num campo político outrora explorado pelos tucanos, parece natural que opte pela canja de galinha. A cautela mostra os limites do ajuste num país que elege seus gastos premido pelas pressões da toga e da farda sobre uma classe política acuada.
Eleitor de Aécio Neves, o governador foi um dos primeiros a denunciar a chantagem das bombas fiscais provocadas pela votação de reajustes salariais pelo Congresso no governo Dilma Rousseff. Foi igualmente crítico das concessões, no início deste governo, a categorias mais organizadas e de maior poder de fogo do funcionalismo. Diz que sua posição em relação à previdência dos policiais militares não se modificou. Num país em que juízes e policiais colecionam reféns, recusa-se a ser colocado nesta condição.
Mostra-se inconformado que o Congresso resista ao ajuste das contas públicas e às reformas depois de derrubar uma presidente por alegadas infrações fiscais. Sobrevivente da hecatombe da Samarco, de uma crise hídrica que já dura dois anos, da queda no preço do petróleo, do cerco policial e de um câncer de bexiga, Hartung vê 2018 como uma miragem. Sem as reformas, inclua-se aí a da Previdência mitigada pelas exceções militares, não vê chances para suas convicções no poder - "A preços correntes, a sucessão trará um populista no poder, um Trump verde e amarelo".
O refúgio da inflação
A liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em todos os cenários de primeiro e segundo turno e a popularidade do atual titular no pior fosso dos últimos 20 anos ainda dizem pouco de 2018, mas revelam o Congresso Nacional como o último refúgio da inflação. Vai disparar o preço do voto pela reforma da Previdência.
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