- Valor Econômico
Está sendo disseminada na internet a informação que a Previdência Social não é deficitária, pois suas contas devem ser analisadas no âmbito mais amplo da Seguridade Social, que abrange também ações nas áreas da saúde e da assistência. Para sustentar esse sistema, os constituintes de 1988 criaram as contribuições sociais. Assim, de acordo com esse raciocínio, somados os recursos de todas as contribuições, a Seguridade seria superavitária e não deficitária. A conclusão é falsa.
Em 2016, o déficit da Seguridade Social atingiu a cifra de R$ 257 bilhões, de acordo com o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO), um demonstrativo elaborado pelo Tesouro Nacional, por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Para fazer a conta, somam-se todas as receitas das contribuições sociais (Cofins, PIS/Pasep, CSLL, a contribuição do trabalhador e do empregador para o INSS, a contribuição do funcionário público e da União para o regime próprio dos servidores e outras contribuições) e demais receitas (com as loterias, por exemplo). Em 2016, a arrecadação total atingiu R$ 617,7 bilhões.
Depois, somam-se todas as despesas com os benefícios previdenciários (RGPS), com inativos e pensionistas da União, benefícios da Lei Orgânica da Previdência Social (Loas), pagamentos do seguro-desemprego, abono salarial e Bolsa Família, os salários dos servidores ativos dos órgãos públicos que fazem parte do Orçamento da Seguridade e outras despesas de custeio e capital. Em 2016, a despesa empenhada totalizou R$ 874,7 bilhões.
O déficit do ano passado ficou, portanto, em R$ 257 bilhões (R$ 617,7 bilhões menos R$ 874,7 bilhões). O "buraco" pode ter sido um pouco maior, pois o RREO adota o critério de despesas orçamentárias empenhadas, que não incluem os restos a pagar de exercícios anteriores que foram quitados no ano, entre outras diferenças. O Tesouro costuma usar no resultado que divulga o critério de caixa, ou seja, a despesa efetivamente paga no mês ou no ano. Podem ocorrer, igualmente, pequenas diferenças na receita entre o RREO e o resultado do Tesouro.
Os defensores da tese de que a Seguridade Social é superavitária argumentam que a União, por meio da DRU, retira boa parte da receita do sistema para cobrir outras despesas. Sem a aplicação da DRU, afirmam, não haveria déficit. A conclusão é igualmente falsa.
Em 2016, a DRU desvinculou R$ 91,7 bilhões das receitas totais da Seguridade Social. Se a aplicação da DRU não tivesse ocorrido, o déficit do sistema teria caído para R$ 165,3 bilhões (R$ 257 bilhões menos R$ 91,7 bilhões). Ou seja, mesmo assim haveria déficit e ele seria expressivo. A existência de déficit significa que o governo federal está utilizando receitas de outros impostos para cobrir as despesas da Seguridade Social. E não o contrário, como querem alguns críticos da reforma da Previdência.
Mesmo o argumento de que o déficit da Previdência decorre do excesso de renúncia das receitas previdenciárias não se sustenta. Como observa Paulo Henrique Feijó, professor de administração orçamentária e financeira, responsabilidade fiscal e contabilidade aplicada ao setor público, a renúncia das receitas previdenciárias totalizou R$ 58,6 bilhões no ano passado. "Se a DRU não fosse aplicada e não houvesse renúncia de receitas, ainda assim haveria déficit", disse Feijó ao Valor. A soma da DRU com a renúncia daria R$ 150,3 bilhões. Assim, o déficit seria reduzido para R$ 106,7 bilhões (R$ 257 bilhões menos R$ 150,3 bilhões).
Há dois fenômenos importantes na trajetória das receitas e despesas da Seguridade Social que precisam ser avaliados. O primeiro é que o déficit está crescendo ano a ano. Nos últimos três anos, o aumento foi significativo. Em parte, ele decorreu da queda na arrecadação das contribuições sociais (principalmente Cofins e PIS/Pasep) por causa da recessão. Houve redução real da arrecadação. Mas as despesas cresceram muito no mesmo período.
Além disso, a despesa com benefícios previdenciários vem aumentando sua participação no bolo da Seguridade Social. No ano 2000, o gasto da Previdência representava 51% da despesa total da Seguridade Social. Em 2016, a participação já foi de 58% do total, de acordo com dados do Ministério do Planejamento. No mesmo período, as despesas com a saúde foram reduzidas de 16% para 12% do total gasto da Seguridade Social.
Negociação da reforma
Os efeitos de curto e médio prazo da reforma da Previdência nas contas públicas dependerão das negociações que estão em curso na Câmara. Se as regras de transição forem amenizadas, como alguns políticos desejam, é provável que os ganhos da reforma nos próximos cinco anos se tornem insignificantes. Se este for o resultado da negociação, ficará difícil para o governo manter as despesas dentro do teto de gastos. Como as despesas com benefícios previdenciários crescem acima da inflação, o governo será obrigado a cortar cada vez mais outros gastos para cumprir o limite estabelecido na Constituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário