A queda da inflação é tão intensa que os mercados estão agora à procura de um piso para a taxa de juros e essa é a melhor maneira de indicar a evolução pela qual a economia passou nos últimos seis meses. O nível dos juros pode de novo tatear os limites de baixa, embora as condições ainda não sejam favoráveis, tentados a partir de 2012, quando a taxa Selic caiu para 7,25% ao ano, na gestão de Alexandre Tombini. A diferença é que a inflação na época seguiu a direção contrária dos juros e disparou.
Após seis anos distante de 4,5%, a inflação, pelas estimativas do Focus, corre hoje abaixo do centro da meta. Uma combinação de juros reais muito altos e recessão muito forte finalmente produziu resultados que se esperavam bem antes. A receita de puxar o custo do dinheiro para cima sempre foi exageradamente corriqueira no Brasil, mas recentemente demorou mais para produzir efeitos, devido à persistente indexação e ao longo período em que as expectativas navegaram desancoradas.
A conjunção de impeachment de um presidente, a mais forte recessão da história e o maior e mais disseminado escândalo de corrupção da República legou desafios que não poderão ser resolvidos por um governo transitório que carece de popularidade e está cercado por suspeitas de corrupção. Ainda assim, a economia exige respostas imediatas para questões difíceis, como a de definir até que ponto a taxa de juros pode cair sem estimular um repique inflacionário ou qual seria a taxa de equilíbrio dos juros, aquela que nem incentiva nem contrai a atividade econômica depois que ela atingiu seu crescimento potencial. E, no curto prazo, estabelecer qual a cadência de redução do custo do dinheiro compatível com a manutenção da inflação perto da meta.
Essa última questão talvez seja a mais fácil de ser respondida. O BC tem deixado o mais claro possível quais serão seus próximos passos. Até a próxima reunião do Comitê de Política Monetária não há porque esperar que o corte da Selic será superior a 0,75 ponto percentual já indicado como novo ritmo de baixa pela autoridade monetária. O passo poderá ser acelerado daí em diante, quando e se a inflação acumulada em doze meses continuar a gravitar ao redor do centro da meta.
Há poucas dúvidas de que a inflação se comportará bem. A recuperação econômica não será rápida nem intensa e, ao que tudo indica, o comportamento dos preços será influenciado positivamente pela taxa de câmbio, que tende à valorização no curto prazo. Apesar da algazarra global que Donald Trump pode causar a qualquer momento, o cotidiano tem sido prosaico: as bolsas brasileiras testam novos limites de altas e o capital externo continua a ingressar no país em bons volumes.
É impossível ser mais otimista que os mercados financeiros a respeito de até aonde a taxa Selic possa estacionar no atual ciclo de baixa. Os mercados sugerem algo entre 9% e 9,5%, compatível com juro real entre 4,5% e 5%, o mesmo arco de valores que a economia brasileira sancionou na última década, com exceção de interregnos insustentáveis, como o verificado ente outubro de 2012 e abril de 2013, quando atingiu 2%.
A tentativa bem intencionada do BC nesse período não poderia ter dado certo porque todas as outras peças necessárias a seu sucesso estavam fora do lugar, a começar pela política fiscal expansionista e irresponsável. Hoje, as condições são mais favoráveis, permitindo que alguma ousadia adicional com a Selic possa ser feita. O espaço para isso, no entanto, é muito limitado pelas turbulências políticas domésticas, pelas incertezas externas e pelo ainda precário arranjo para reduzir o enorme déficit fiscal do país. A dívida dos governos como proporção do PIB seguirá crescendo pelo menos por um par de anos, na hipótese mais otimista, e os juros para remunerá-la, que são o piso das taxas de mercado, dificilmente recuarão mais do que recuaram em passado recente.
Mesmo que o governo transitório de Temer tenha avançado com rapidez em uma agenda ousada, o que lhe granjeou apoio do empresariado, economia e política ainda estão longe das condições normais de temperatura e pressão - que podem variar abruptamente. Até a cogitada redução da meta de inflação só seria incorporada à política monetária em 2019, no próximo governo. As condições econômicas já se distanciaram muito do caos para o qual pareciam rumar há apenas alguns meses, mas não há certeza sobre a consolidação desse cenário positivo.
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