- Folha de S. Paulo
O governo quer aprovar a reforma da Previdência em um galope pelas águas sujas de março. Quer vencer a parada até abril na Câmara, onde a conversa será mais difícil. Em março, devem ser publicadas as delações da Odebrecht, segundo o cronograma do mundo político.
O governismo vai roer um osso duro na Quaresma.
O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alerta para dificuldades em projetos cruciais, como a Previdência e a lei de recuperação para Estados falidos.
Maia se diz "reformista" até porque sua carreira e o destino do "bloco no poder" dependem disso, segundo ele mesmo.
Acelerar a tramitação é um modo de evitar que o povo "nas ruas" se dê conta da tunda? O pessoal do governo diz que não, tanto que vai fazer campanhas de esclarecimento, "suscitar o debate público informado". Da "base" do governo brotam pencas de emendas para atenuar a reforma.
Do ponto de vista do "Grande Eleitor" de Temer, donos do dinheiro grosso e associados, e dos economistas-padrão, quanto mais cedo se votar a reforma da Previdência na íntegra, melhor.
Assim, haveria perspectiva de redução contínua da taxa de juros e de sobrevivência do teto, o limite para o crescimento real dos gastos do governo.
Sem reforma da Previdência dura, tal como a apresentada pelo governo, vai ficar a impressão de que o "teto" cai a partir de 2019, devido a rachaduras políticas ou econômicas, ou dos dois tipos.
Um fracasso da reforma da Previdência em princípio e por si só não arrebenta de vez as contas do governo durante o mandato de Temer.
Quanto aos efeitos secundários, porém imediatos, a coisa pode ficar mais difícil: incerteza, juros em nível mais alto. Por quê?
Porque, com "teto" e sem reforma, as demais despesas federais serão asfixiadas. Gastos com saúde e educação ficarão restritos ao piso legal. O investimento "em obras" deve ser achatado.
Com o "teto", a despesa do governo federal vai diminuir como proporção do PIB (em relação ao tamanho da economia). Caso a despesa da Previdência continue a crescer, as demais terão de ser cortadas (também como proporção do PIB).
Aprovada na íntegra a reforma do governo, a despesa com Previdência e benefícios assistenciais passaria de 8,9% do PIB em 2016 para 9,13% do PIB em 2019, caindo lentamente até 8,8% até 2026.
São estimativas da Secretaria da Previdência. Sobem um tanto até 2019, enquanto a despesa federal estará caindo. Não vai dar para todo o mundo, pois.
Durante o governo Temer, ainda haverá alguma folga, por assim dizer; a equipe econômica tem encontrado alguma gordura para cortar.
Daí em diante, é aperto. Pode então haver reação social e política contra o "teto", ainda mais se a economia estiver recuperando devagar a renda que perdeu na Grande Recessão.
Em tese, pelo menos segundo os credores do governo ("mercado"), a perspectiva de estouro do "teto" provocaria tensão logo agora: seria um sinal de que a dívida pública continuará a subir sem limite. Essa é a hipótese mais sinistra.
Pode ser que as emendas parlamentares não arrebentem o projeto do governo.
Pode ser que a reação do pessoal da finança à "desfiguração" não seja intensa como promete. O risco de a maionese desandar, de qualquer modo, está no radar de todo o mundo.
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