A gastança, o desmando e a irresponsabilidade são direitos de todo governo estadual, segundo uma das leis mais veneradas no mundo político brasileiro. Por essa mesma lei, nunca escrita, o Tesouro Nacional é obrigado a socorrer, sem contrapartidas, todo Estado levado à falência por seus governantes. Se as autoridades do Estado falido quiserem tomar medidas para fortalecer e disciplinar suas finanças, poderão fazê-lo, observadas pelo menos duas condições: a concordância do funcionalismo e a aprovação do plano pela Assembleia Legislativa. Esse funcionalismo pode ter sido mimoseado, durante anos, com salários aumentados de forma insustentável pela arrecadação estadual. Não importa.
Os cidadãos de outras unidades da Federação serão obrigados a garantir, por meio do pagamento de impostos federais, a continuidade do pagamento àqueles servidores.
Esta lei generosa de apoio à irresponsabilidade, ao desperdício de dinheiro público e à gestão inconsequente da folha de pessoal continua inspirando muitos congressistas. Inspirou-os, com certeza, quando deformaram e amaciaram, há meses, o primeiro projeto de lei de ajuda aos Estados em crise financeira.
Continuará a guiá-los, provavelmente, quando estiver em tramitação o novo projeto proposto pelo Executivo para possibilitar e regular o socorro aos Tesouros estaduais devastados pela incompetência e pela imprudência, associadas, em algumas circunstâncias, a fortes doses de corrupção.
Derrotado na primeira tentativa, o governo agora propõe uma espécie de lei de falência para Estados, com regras para ingresso no programa, benefícios amplos e uma lista de contrapartidas para recuperação e fortalecimento das finanças públicas. Os Estados poderão ficar três anos sem pagar sua dívida ao Tesouro Nacional, com possibilidade de prorrogação do acordo. Os governos poderão negociar pagamentos a fornecedores por meio de leilões e, além disso, pedir aos bancos credores a reestruturação de seus débitos. Mas terão de cumprir várias condições, como o aumento da contribuição previdenciária de servidores, o corte de incentivos fiscais e a proibição de contratações e de aumentos salariais. Quando o governo estadual pedir ingresso nos programas, a Assembleia Legislativa já deverá ter aprovado as contrapartidas necessárias, incluída a autorização, se for o caso, da venda de empresas controladas pelo Estado. No Rio de Janeiro já foi aprovada a privatização da Cedae, a Companhia de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro.
A necessidade das contrapartidas é evidente, até porque a crise dos Estados decorreu, de modo geral, do afrouxamento, com as bênçãos do governo petista, das condições definidas na Lei de Responsabilidade Fiscal aprovada no ano 2000. Mas muitos congressistas parecem continuar impermeáveis à noção de manejo responsável – e, se possível, competente – de todo tipo de recurso disponível para os governantes. A nova lei, segundo alguns, deveria apenas autorizar o acordo entre a União e os Estados falidos, ficando as contrapartidas para negociação entre os governos da União e dos Estados.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem sido um dos defensores dessa ideia. Outros parlamentares continuam falando contra a definição geral de contrapartidas. Segundo eles, os problemas financeiros e soluções possíveis podem variar de Estado para Estado. Há até uma aparência de sensatez neste argumento. Mas, de toda forma, negociações caso a caso serão muito mais complicadas, com maior custo político para o Executivo federal, maior risco de acordos frouxos e, portanto, novo estímulo ao desmando e à irresponsabilidade.
Governadores e muitos parlamentares estão dispostos a valorizar a ideia de Federação quando se trata de defender a amplitude de escolhas políticas e administrativas, mas atribuem ao poder central a obrigação de socorrê-los quando entram no atoleiro. Talvez se devesse, para variar, deixar Estados – e municípios, é claro – afundar e ajeitar-se por seus meios na hora de pagar a conta da irresponsabilidade. Ou isso ou algo tão sério quanto o novo projeto do governo federal.
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