A vida política nacional está cheia de contradições. Por exemplo, com a mesma facilidade com que se anuncia o esgotamento do sistema político, como se tudo estivesse perdido e fosse imprescindível uma total reconstrução, também se afirma que a adoção de uma solução efetiva para o sistema político exigiria outras circunstâncias, completamente diferentes das atuais. Tem-se, assim, a estranha união do pessimismo de condenar todas as instituições com o idealismo de exigir condições imaginárias para que o País saia da crise.
Segundo esse modo de ver as coisas, o Congresso atual não teria condições políticas, e tampouco legitimidade, para levar adiante a tão necessária reforma política. Ora, nem tudo está perdido nem a solução para a crise está num inalcançável cenário futuro. É possível realizar agora uma profunda reforma do sistema político-partidário, e o motor para essa reforma é justamente o atual estado de decadência do sistema vigente, visível aos olhos de todos.
Não cabem ingenuidades. Uma reforma política mexe com muitos interesses e, como consequência, enfrenta enorme resistência por parte de quem não deseja perder sua privilegiada situação. Sendo assim, é necessária muita vontade política para aprovar uma reforma efetiva, que altere de fato os pontos nevrálgicos, nos quais são gerados ou, ao menos, tolerados tantos casos de corrupção e tantas deficiências na representação. Ora, só as vicissitudes profundas com que uma crise maltrata a população são capazes de movimentar as energias políticas necessárias para a aprovação de uma reforma política assim efetiva.
Por óbvio, uma reforma política séria é muito mais profunda que as propostas atualmente em debate no Congresso, como o estabelecimento da cláusula de desempenho para os partidos políticos e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Essas duas medidas são absolutamente necessárias, mas não esgotam o repertório das mudanças exigidas. Faz-se necessário, por exemplo, modificar extensa e profundamente o sistema partidário, garantindo um mínimo de densidade ideológica e de conexão com a população.
É preciso também que a reforma política não passe ao largo de temas fundamentais, como o pacto federativo. Ainda que tantas vezes aclamado como se fosse o suprassumo da democracia e dos direitos, o sistema federativo estabelecido pela Constituição de 1988 padece de sérios desequilíbrios. Ao atribuir aos entes federados direitos e deveres que não se equilibram, o atual pacto federativo fomenta irresponsabilidades, além de sobrecargas fiscais. Não raro, essas regras geram uma sobreposição de competências entre municípios, Estados e União, o que deixa o poder público mais caro, mais complexo e menos funcional.
Tão necessária reforma deve ser iniciada pelo atual Congresso. Achar que os futuros representantes, eleitos por meio do mesmo sistema político que elegeu os atuais deputados e senadores, serão mais íntegros e mais responsáveis que os de hoje é, no melhor dos casos, a apoteose de ilusórias esperanças. Essa ideia pode também corresponder aos desejos de quem quer manter intacto, em suas estruturas fundamentais, o atual sistema político.
Quanto mais tardar, mais difícil será aprovar a reforma política. A inércia, na verdade, corresponderia à ideia absurda de que um sistema político disfuncional tende a produzir resultados melhores com o correr do tempo. Ora, a permanência de um sistema ruim só agrava as suas deficiências. O melhor momento para a reforma política é, portanto, o quanto antes, e não, como querem alguns, o quanto depois.
É prejudicial ao País a pregação de que agora não se pode fazer nada em relação à reforma política. Essa enviesada ideia trava a capacidade da Nação de reagir justamente no momento mais propício para produzir bons resultados. O futuro só reserva dias melhores quando, no presente, a passividade não dá a última palavra.
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