segunda-feira, 26 de junho de 2017

A aposta nos livros de filosofia

Em vez de privilegiar as figuras sacrossantas como Kant, Hegel e Espinosa, a tendência são os franceses de 1968, como Foucault, Deleuze e Lacan

Felipe Cherubin*, Colaboração para o Estado /Aliás,Cultura

A leitura de um texto filosófico pode, preliminarmente, desencorajar leitores, fechando definitivamente as portas para o mundo do conhecimento. Nas universidades, o aluno não entra em contato direto com os originais, mas passa por uma introdução histórica mediada pelo corpo docente. A iniciação é indispensável, pois desmistifica aquele ar “hermético” do universo intelectual.

No entanto, o interesse pela filosofia começa antes e depende essencialmente de uma cultura que fomente essa curiosidade desde a infância e que percorra todos os níveis sociais. Em sua coleção Figuras do Saber, concebida pela Société d'édition des Belles Lettres em 63 volumes e organizada por Richard Zrehen (1949-2011), a editora Estação Liberdade visa justamente atingir o público não especializado.

Em entrevista ao Estado, o editor Angel Bojadsen comenta que o sentimento da Estação Liberdade é o de estar “contribuindo para veicular uma cultura erudita, mas que devia ser de massas, pois são livros destinados a formar bibliotecas e acervos familiares”. Segundo Bojadsen, “em tempos de crise econômica, há uma demanda por livros de formação em detrimento daqueles de lazer”.

Este mês a coleção chega a 30 volumes com o lançamento do livro dedicado a Alan Turing (1912-1954), cientista considerado o pai da informática, que teve sua vida retratada em O Jogo da Imitação (2014), filme vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado, e outro sobre Bachelard, filósofo contemporâneo francês conhecido por seus trabalhos na área da filosofia da ciência. Os próximos volumes programados são Sartre, Newton, Cícero e Lévi-Strauss.

Sobre a recepção da coleção, Bojadsen comenta que, a princípio, imaginava que “figuras sacrossantas como Hegel, Kant, Espinosa, seriam os de maior sucesso, mas foram os franceses de 1968 e afins que roubaram a cena: os mais comprados são Foucault, Deleuze e Lacan, intercalados por Nietzsche e Kierkegaard e que há boa procura por autores complexos como Wittgenstein, ou 'excêntricos' ao pensamento ocidental como Averróis”.

Seguindo o mesmo caminho, a Editora Vozes vem publicando duas coleções sobre filosofia: a série Compreender e a recente 10 Lições, coordenada por Flamarion Tavares Leite. Segundo a Vozes, “a filosofia já não é domínio apenas do meio acadêmico e, por isso, textos introdutórios estão ganhando os leitores em geral”. O editor revela que a Vozes “havia percebido um grande potencial em publicações na área, percepção que ganhou força com o lançamento do volume de Kant na coleção 10 Lições, que tem como autores mais procurados Foucault, Marx e Maquiavel e, entre os próximos lançamentos, Sloterdijk, Merleau-Ponty, Girard e Max Scheler.

Além das duas coleções, a editora revela que, para a Bienal do Rio, chega uma nova coleção chamada Chave de Leitura, “um guia para iniciantes desbravarem as obras dos principais filósofos”. Os quatro primeiros títulos são Fundamentos da Metafísica dos Costumes, de Kant; Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche; A Fenomenologia do Espírito, de Hegel e O Príncipe, de Maquiavel.

Apostando em questões típicas do século 21, a Editora Paulus mantém a coleção Como Ler Filosofia, abordando temas que vão de inteligência artificial até filosofia clínica, passando por filosofia da mente e neurociências. Referência em publicações filosóficas no país, as Edições Loyola têm como destaque A Filosofia a Partir de seus Problemas, do professor Mario Ariel Gonzáles Porta, que faz parte da coleção Leituras Filosóficas, dirigida ao grande público. O livro tem como objetivo demonstrar que a incompreensão da filosofia parte do desconhecimento do leitor do real “problema” proposto por um determinado filósofo. Se a compreensão do problema não constituir o princípio da filosofia, qualquer tentativa de estudo está fadada ao fracasso.

A Loyola conta ainda com duas coleções de caráter introdutório. O diretor geral da editora, padre Danilo Mondoni, explica: “A coleção Mestres do Pensamento, da Oxford University Press, é direcionada ao ambiente acadêmico e seus títulos mais procurados são os que tratam de Platão, Aristóteles e Hegel; já a coleção Filosofar é Preciso coincidiu com a obrigatoriedade da volta do ensino da filosofia nas escolas e a ideia foi de compor uma coleção com títulos sugestivos e a bom preço”.

Mondoni, que acredita na filosofia como meio privilegiado de diálogo cultural, destaca mais três coleções de muito prestígio, destinadas ao público universitário: a coleção Filosofia, que conta com mais de 50 títulos, em sua maioria de autores nacionais e as coleções Estudos Platônicos e Estudos Aristotélicos.

Privilegiando a parte histórica, para leitores que buscam algo conciso, a Editora Record publicou a pequena coleção de três volumes Sobre o que Nos Perguntam os Grandes Filósofos, escrita pelo filósofo polonês Leszek Kolakowski (1927-2009), que, ao expor a história da filosofia em breves capítulos, deixa, ao final, uma pergunta sem resposta, convidando o leitor a compartilhar as mesmas reflexões dos 30 pensadores apresentados.

Já em relação aos escritos de grandes pensadores, a Editora Unesp vem publicando, em traduções primorosas, sua coleção Clássicos, que abarca as principais obras de grandes pensadores, tanto da tradição ocidental quanto oriental.

Seguindo outro caminho, a Editora É Realizações, em sua coleção Filosofia Atual, concentra-se exclusivamente em autores contemporâneos, que, de acordo com seu editor Edson de Oliveira Filho, “trouxeram contribuições fundamentais, mas que por razões circunstanciais, ainda não haviam sido contemplados pelo mercado editorial brasileiro”, como Eric Weil, Michel Henry, Lucian Blaga e, “digno de uma menção à parte”, o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, que terá sua extensa obra publicada.

É possível, portanto, constatar que as editoras brasileiras estão conscientes de que a filosofia tem um papel essencial neste processo, devido à própria essência questionadora da matéria.

É também interessante notar que, em um momento delicado do país, refletido em instabilidade institucional, um movimento de valorização cultural vem tomando forma. As pessoas querem trazer para suas vidas os ensinamentos de filósofos e grandes pensadores em geral – e o mercado editorial está atento a isso.

No diálogo Mênon, Platão nos apresenta Sócrates, o pai da filosofia, que ao ser questionado pelo jovem Mênon, seu aluno, se a virtude pode ou não ser ensinada, pede para que o estudante traga um de seus escravos. Sócrates, então, sendo observado por Mênon, propõe ao escravo ignorante a solução de um problema geométrico. Usando de seus métodos pedagógicos, Sócrates conduz o escravo, pelo diálogo, à solução do problema por si próprio.

Platão dá uma verdadeira lição sobre a importância da interação social para a conquista da soberania pessoal e liberdade interior que, ao serem assimiladas, proporcionam uma atmosfera cultural que a todos inspira e que o desejo de ser um cidadão livre e esclarecido, ou se tornar um filósofo ou cientista, não só é possível, como essencial.
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*Felipe Cherubin é jornalista e filósofo, coautor de 'O que é a Inteligência', sobre a obra de Xavier Zubiri

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