- O Estado de S. Paulo
A ordem agora é concentrar esforços na reforma trabalhista, cujo status no Planalto passou de “praticamente garantida” para “sujeita a riscos”
Michel Temer amanhece hoje de novo à espera de uma semana “decisiva” nessa roleta em que se transformou seu governo. Vêm aí as denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente e todos os desdobramentos que delas podem surgir, entre eles o tão anunciado – e tão emperrado – desembarque do PSDB da sua base parlamentar. No meio disso tudo, há a promessa de que a reforma trabalhista, que saiu de embates da última semana com algumas escoriações, passe pelo exame da Comissão de Constituição e Justiça, antes de ir para o plenário do Senado. Desafios de natureza e escala diferentes, mas que espelham as contradições do programa de Temer. Tudo para garantir a sobrevivência do governo no dia seguinte, e quase tudo para demonstrar que continua de pé a prioridade a um ajuste de médio e longo prazos, via aprovação das reformas econômicas.
As duas agendas têm uma dependência vital do Congresso - que pode ou não dar passagem a uma abertura de processo contra o presidente no Supremo Tribunal Federal (STF), além de dar a palavra final sobre as reformas. Aos poucos fica visível o quanto cada uma dessas agendas vai afetar a outra, dentro do Congresso - em outras palavras, o quanto vai minguando a pauta dos ajustes, diante das manobras para garantir o mandato presidencial. E, nesse quadro, é inevitável “sobrar” para a política econômica, que já deixa à mostra algumas incoerências. O discurso de que a equipe econômica está blindada contra pressões políticas começa a suscitar dúvidas. Da mesma maneira, a convicção de que seus integrantes mantêm uma linha de conduta inquestionável também parece sofrer alguns abalos.
No fim da semana, a notícia de que o governo estuda utilizar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) dos trabalhadores para bancar o seguro-desemprego causou espanto. A ideia, em princípio, seria reter parte da conta e da multa de 40% do FGTS dos demitidos sem justa causa para economizar com o pagamento do seguro-desemprego – e foi confirmada pelo ministro Henrique Meirelles. Pois não foi a própria equipe econômica que autorizou a liberação dos saques das contas inativas e, por sinal, sempre que dá festeja o acerto dessa medida e seus benefícios para o consumo? Uma medida na direção de entregar ao trabalhador a gestão do seu FGTS e outra, se vingar, exatamente na contramão. Pode ter sido apenas um tropeço, mas que pegou mal, pegou.
Na outra ponta, dias atrás, ganhou terreno a especulação de que o governo estaria avaliando a revisão da tabela do Imposto de Renda para pessoa física. Entre as mudanças, estariam incluídas desde a simples correção, uma reivindicação de 10 entre 10 contribuintes, a ampliação da faixa de renda com direito a isenção até uma redução da taxação para as faixas de maior renda. A equipe econômica tratou de dizer que essas alterações não faziam parte da sua lista de intenções, mas ficou claro que elas constavam da lista de desejos da banda política do governo.
Enquanto se enreda na discussão de bondades e maldades, o governo também se vê obrigado a mexer na própria programação para as reformas. A ordem agora é concentrar esforços na reforma trabalhista, cujo status no Planalto passou de “praticamente garantida” para “sujeita a riscos”. Quanto à Previdência – se é que a crise vai deixar chegar lá --, os rumores são de que pode ser ainda mais amaciada. Entre as novas concessões, estariam idade mínima de 60 anos para as mulheres, em vez dos 62 estipulados na proposta que chegou ao Congresso, e redução do tempo de contribuição mínimo para a aposentadoria, que está em 25 anos. A equipe econômica insiste que essas mudanças não saem, mas elas são defendidas por setores que ainda têm esperança de entregar ao mercado alguma reforma.
É verdade que as “cotoveladas” entre as duas alas do governo Temer – a econômica e a política -- não estão começando agora. Em nenhum momento, porém, a situação esteve tão favorável à ala política, com o aperto do cerco judicial ao presidente. A plataforma de ajustes continua sendo o cacife de Temer com o “eleitorado” empresarial, mas, levando-se ao extremo o pragmatismo que caracteriza a ação dos políticos, de que adianta esse cacife se ele não conseguir continuar no jogo? Façam suas apostas.
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* É jornalista
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