- Valor Econômico
"Desinflação é 'a prova do pudim' de que juro derruba preço"
"Quebramos a espinha dorsal da inflação nos últimos 12 meses", disse o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, logo após a divulgação do relatório trimestral de inflação, ontem, que trouxe a projeção de 3,8% para o IPCA deste ano, abaixo da meta de 4,5%.
Depois do dia 17 de maio, quando o presidente Michel Temer foi abalado pela delação premiada de Joesley Batista, da JBS, o BC e os economistas do setor privado passaram a discutir se o cenário futuro seria mais inflacionário - pelas incertezas que a nova turbulência política gera na formação dos preços - ou mais desinflacionário - pela interrupção da recuperação da atividade que a crise pode provocar.
Ilan adicionou uma terceira possibilidade, a de o resultado final ser neutro, com os dois movimentos (o inflacionário e o desinflacionário) se anulando. Nesse caso, volta-se para as condições com as quais o BC trabalhava antes da crise produzida pelas delações que envolveram diretamente o presidente da República em supostos atos de corrupção.
"Os dados até agora corroboram o cenário anterior e mantivemos a projeção de crescimento de 0,5% este ano", disse. Vista pela estimativa de queda de 0,6% no consumo do governo, conforme o relatório de inflação, a política fiscal este ano será contracionista. A recuperação da economia, na visão do BC, será bem gradual. Isso, porém, não significa que o Copom volta a considerar a trajetória de queda dos juros anterior ao dia 17 do mes passado. "Temos mais um mês para observar", ponderou.
A mensagem do relatório de inflação, segundo Ilan, é de que os próximos passos do Copom para o corte da Selic estão indefinidos. "Minha visão é condicional", explicou ele a esta coluna. Ou seja, vai depender do balanço de riscos, das projeções de inflação, da probabilidade de aprovação das reformas, da evolução da taxa de juros estrutural, dentre outros.
Ilan falou por telefone da Suíça, onde chegou ontem pela manhã para participar da reunião do BIS (Banco de Compensações Internacionais).
Pelo comportamento dos juros futuros, que estavam em queda, ele ressaltou que a maioria do mercado estava apostando em uma queda da taxa Selic de 1 ponto percentual na próxima reunião do Copom, nos dias 25 e 26 de julho. Poucos ainda operavam com corte de 0,75 pontos percentuais. Se isso se confirmar, a taxa básica cairá de 10,25% para 9,25% ao ano, voltando a um dígito.
A chance de a inflação ficar abaixo do intervalo da meta este ano - que vai de um piso de 3% a um teto de 6% - é de 20%. Ou seja, essa é a probabilidade de o IPCA ficar abaixo de 3% e de o BC, portanto, ter que escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda explicando porque com a inflação tão baixa o Comitê de Política Monetária foi conservador na queda dos juros. Se isso ocorrer, terá sido a primeira vez na história do regime de metas para a inflação, em vigor desde 1999. A carta escrita até hoje decorreu da inflação ter superado o intervalo superior.
Ao contrário de alguns economistas do mercado que já consideram factível uma inflação de 2,9% para este ano, Ilan não vê chance de isso acontecer porque os preços dos alimentos - que foram os grandes responsáveis pela rápida desinflação - devem aumentar, devolvendo parte da queda ocorrida até agora. Soma-se a isso o fato de a inflação no último trimestre do ano passado ter sido muito baixa, o que dificilmente se repetirá este ano.
Dessa forma, o IPCA que cai para 2,9% no terceiro trimestre, volta para 3,8% no ultimo período do ano, segundo o relatório do BC.
Os prognósticos do relatório de inflação para o IPCA deste e do próximo ano (4,5% considerando a taxa de câmbio e de juros do Focus) estão maiores do que os da mediana do mercado que na pesquisa Focus projetam inflação de 3,64% para 2017 e 4,33% para 2018. E bem maiores do que as expectativas do Top 5 - as cinco instituições que mais acertam a pesquisa - de 3,16% para este ano e de 4% para o próximo.
A inflação projetada pelo Banco Central de setembro de 2016 a maio deste ano ficou 1,68 ponto percentual a mais do que a taxa efetiva. Ilan explica que não foi só o BC que errou, mas todo o mercado. A inflação que vinha alta até setembro do ano passado, teve queda abrupta a partir de outubro. "Foi uma surpresa positiva dada pela queda dos preços dos alimentos e de bens industriais", comentou.
A extensão do ciclo de queda da Selic vai depender da taxa de juros estrutural e esta poderá ser menor ou maior conforme o avanço ou não das reformas (da Previdência e trabalhista).
Ilan explicou que os países desenvolvidos calculam os juros neutros com base na média das taxas reais dos ultimos dez anos. No Brasil, chega-se a um número com base em dez anos e a um outro, muito diferente, se o período cair para cinco anos.
Os juros reais, aqui, eram de 20% ao ano nos anos 1980, caíram para faixa de 10% entre os anos 1990 e 2000 e de 2010 em diante estão na casa dos 5%, considerando na conta o curto período em que a taxa real caiu para 2% ao ano, na gestão Dilma Rousseff, quando a Selic ficou em 7,25% ao ano entre outubro de 2012 e abril de 2013. Por essa razão Ilan costuma olhar para três indicadores diferentes: os que são apurados pela pesquisa Focus, os do mercado (swap DI de um ano e a inflação projetada) e os juros das NTN-Bs. Nestes o intervalo vai de 4,2% a 5,2%, taxas reais ainda altas, distantes das praticadas no mercado internacional para onde se pretende convergir.
A desinflação de 2016 para cá é, para ele, "a prova do pudim" de que os juros derrubam os preços. O país passou por um longo ciclo de aperto monetário, com alta da taxa de juros, patrocinado pelo então presidente do BC, Alexandre Tombini, que quase duplicou a Selic, de 7,25% em março de 2013 para 14,25% até outubro de 2016. Junto com a restrição monetária e com a deterioração fiscal no governo anterior veio uma recessão cavalar. Mas as expectativas de inflação só começaram a ficar ancoradas com a mudança no comando do BC.
"O BC trabalha para que a queda da inflação e da taxa de juros sejam sustentáveis", disse o presidente do BC. Ilan afirmou, ainda, que o esforço do BC é para colocar a inflação "na meta" e que uma taxa abaixo de 3% este ano não faz parte das suas projeções.
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