sexta-feira, 23 de junho de 2017

Nos nervos da carne | Míriam Leitão

- O Globo

Setor se articula para enfrentar a crise da JBS. O setor de carnes trabalha para enfrentar os desdobramentos da crise envolvendo a JBS. As associações empresariais têm se reunido para pensar em como proteger o mercado. A decisão da Justiça de impedir a venda ativos da empresa pode acabar tendo efeito colateral pior. Se a companhia não conseguir se reestruturar, isso afeta os interesses dos bancos públicos e dos fundos de pensão que são sócios do grupo.

A JBS cresceu demais, com muito dinheiro público, benefícios que foram regados a propina como o próprio Joesley confessou. A empresa passou a concentrar grandes parcelas do mercado, e por isso a sua crise afeta a cadeia de produção do setor, principalmente na carne bovina. As dívidas da holding chegam a R$ 58 bilhões, o dinheiro em caixa é de R$ 10 bi, e o grupo começa a sofrer dificuldade financeira por diversas frentes: bancos passam a cobrar mais caro para emprestar; produtores só aceitam vender à vista, e os ativos que podem ir à venda ficam presos na incerteza jurídica. Além disso, o acordo de leniência firmado com o Ministério Público não protege o grupo de multas e ressarcimentos por outros órgãos, como a CVM, o Cade, e, o que é pior, de processos que podem vir do exterior. A conta da corrupção deve ficar mais alta.

Os minoritários tentam blindar a companhia. Uma possibilidade é afastar a família Batista do comando. Paulo Rabello de Castro, do BNDES, contou que os sócios estão agindo para evitar “desvio de valor de ativos da empresa para os controladores.”

Ontem, os EUA suspenderam a importação de carne fresca do país. O analista da Scot Consultoria Gustavo Aguiar explica que o setor sofreu outros três grandes choques nos últimos meses. O primeiro, com a Operação Carne Fraca, depois, com a decisão do Supremo de manter — em boa hora, por sinal — a cobrança de contribuição previdenciária para o Funrural. E agora, a crise da maior empresa do segmento.

— A grande questão, em termos de JBS, é a velocidade da crise. Se os problemas na empresa aumentarem de forma rápida, aí pode haver desdobramentos em toda a cadeia. Se for mais lento, acho que o mercado vai se adaptando, outros frigoríficos vão comprando plantas e reabrindo outras. Mas se o vácuo for muito rápido, aí de fato desestabiliza — explicou.

A visão é a mesma do superintendente técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) Bruno Lucchi. Uma grande preocupação da entidade é que a diminuição da JBS faça o mercado ficar ainda mais concentrado, com crescimento das outras duas grandes empresas do setor, Marfrig e Minerva.

— O ideal, a nosso ver, é que haja mais competição e menor concentração. Por isso estamos estudando ações para estimular o pequeno e o médio produtor, dando consultoria especializada para melhorar a gestão neste momento de incerteza, entre outras medidas.

A JBS representa 25% do mercado de carne bovina do país e mais de 50% das exportações. São 265 mil funcionários espalhados por 30 países do mundo onde a empresa atua. Em alguns estados, como no Mato Grosso, a empresa representa 63% do mercado, no Rio de janeiro, chega a 43%, segundo dados da consultoria Agrifatto. Principalmente no Mato Grosso, os produtores de carne ficarão sem ter para quem vender, em caso de problemas com a solvência do grupo.

O endividamento de R$ 58 bilhões significa que os bancos privados e públicos do país carregam esse passivo. Tudo parece fora do lugar quando o assunto é JBS. O crescimento da empresa nos últimos 10 anos foi impulsionado pela relação com partidos políticos, que garantiram a liberação de empréstimos do BNDES. Com o dinheiro barato em caixa, o grupo passou a adotar práticas predatórias de mercado: primeiro, vendendo carne a preços baixos para sufocar concorrentes, depois, comprando e fechando empresas para barrar ou eliminar a competição.

Em uma reunião realizada no quarta-feira entre a CNA e ABIEC, que representa os exportadores, foram decididas várias ações de proteção do segmento, como o estímulo aos pequenos e médios produtores para assumir fatias de mercado, até a defesa da carne brasileira nos mercados internacionais. Há muito a ser feito pelos próprios empresários, produtores, fornecedores, distribuidores e exportadores, para que seja possível superar esse momento de crise que chegou ao nervo central do setor da carne.

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