Por Luísa Martins, Raphael Di Cunto e Maíra Magro | Valor Econômico
BRASÍLIA - As delações premiadas de executivos do grupo J&F, holding da JBS, foram validadas ontem pela maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que votaram pela manutenção do ministro Edson Fachin como relator dos processos e confirmaram que ele poderia, como fez, ter homologado em decisão individual o acordo de colaboração. A sessão foi encerrada com um placar parcial de 7 votos a zero e será retomada na quarta-feira.
As discussões mais acaloradas, no entanto, foram relacionadas à possibilidade ou não de que a Corte reveja os termos do acordo no momento do julgamento, como os benefícios concedidos aos delatores. No resultado proclamado pela presidente do Tribunal, ministra Cármen Lúcia, seis ministros, incluindo Fachin, votaram para que a verificação da legalidade do acordo se restrinja ao momento da homologação pelo relator. O único a divergir, em parte, foi Ricardo Lewandowski. Segundo ele, caso seja constatada alguma ilegalidade na delação (cláusulas que ameacem lesar direitos, por exemplo), ainda que no fim do processo, o instrumento poderá ser anulado.
"Se o plenário, à luz da coleta de provas feita posteriormente, se deparar com uma ilegalidade intransponível, patente e flagrante, que não foi percebida pelo relator, eu não posso crer, em sã consciência, que nós fiquemos de olhos vendados e abdiquemos de examiná-la a qualquer momento", disse Lewandowski. O ministro afirmou que seu voto segue a linha exposta pelos colegas Alexandre de Moraes e Dias Toffoli - no resultado oficial, no entanto, ambos estão do lado mais numeroso do placar.
Fachin e Alexandre votaram na sessão de quarta-feira. Ontem, proferiram seus entendimentos os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Toffoli e Lewandowski. Ficaram para a próxima sessão os votos de Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen. O pano de fundo para os debates deve continuar sendo a possibilidade de rever os benefícios concedidos - e já homologados - aos donos da JBS, Joesley e Wesley Batista, que, apesar dos crimes confessados, ficarão sem nenhuma punição exceto o pagamento de multas.
A maioria dos ministros entendeu que a delação da JBS deveria ter sido distribuída automaticamente a Fachin, uma vez que estão em curso, sob a relatoria dele, investigações sobre fatos conexos aos narrados pelos colaboradores, seja em relação à operação Lava-Jato ou a outros feitos, como irregularidades no FI-FGTS. Os sete magistrados que já votaram também indicaram que a homologação da delação é um ato individual do relator.
Se todos concordaram em relação a esses aspectos, as discussões ficaram por conta da possibilidade de modificar ou não os termos do acordo em um momento posterior à homologação. Fux defendeu que isso não é possível e que avaliações sobre a ilegalidade da delação (como nos casos em que o delator é o chefe da organização criminosa e, portanto, não pode receber o perdão penal) devem ser decididas pelo relator na etapa inicial, isto é, antes da homologação. "Isso deve ficar bem claro para evitar que, no futuro, não se venha a arguir neste tribunal a invalidade de uma delação premiada", disse.
Barroso também foi assertivo ao sustentar que só cabe contestação aos benefícios acordados antes da homologação. "Do meu ponto de vista, se a ilegalidade passou batida por esta etapa, paciência. Não há como salvaguardar o instrumento da delação premiada se, mais à frente, ela puder ser anulada", disse. Seu posicionamento gerou bate-boca com o ministro Gilmar Mendes. Barroso disse que "sabia o caminho que a discussão iria tomar" e que, por isso, já estava adiantando sua contrariedade a qualquer tipo de alteração no acordo.
Apesar de ainda não ter votado, Celso de Mello foi na mesma linha. "Não tem sentido desconsiderar no julgamento final os termos da delação premiada se houve integral adimplemento das obrigações assumidas", afirmou. Toffoli defendeu que "não cabe ao Estado dar com uma mão e tirar com a outra".
Para Moraes, a turma ou o plenário do STF, que julgarão as denúncias, não podem rever o acordo já homologado, "mas também não podem ser obrigados a utilizar provas que entendem ilícitas", como as obtidas mediante tortura ou pagamento ao delator. "O órgão colegiado só pode adentrar na questão da legalidade e da moralidade constitucional. Não pode dizer: 'não gostei desse acordo", disse.
Já Marco Aurélio interrompeu várias vezes os colegas dizendo que a lei é expressa ao definir que "no momento da sentença é que serão definidos os benefícios". "No campo da proposição da ação penal, é soberano o Ministério Público. Mas, quando no julgamento, na observância do que se contém em termos de benefícios, o primado é do Judiciário", afirmou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário