- Valor Econômico
Instabilidade está posta e economia não tem como se descolar
O torpor diante dos últimos acontecimentos não está apenas nas ruas. Ele perpassa também outros ambientes, que observam, de maneira acurada, a degradação da presidência de Michel Temer. No afã de salvar o mandato, o presidente fará o que qualquer outro dirigente já fez em seu lugar, que é centralizar toda negociação e barganha possível em sua autopreservação. Ficou sem margem para pactuar qualquer coisa sobre qualquer outro tema, como a reforma da Previdência, por exemplo.
Se algo vier a ser votado neste governo, quando muito, será a idade mínima de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres.
Poucos meses atrás a análise que se fazia dentro do chamado "mercado", era que a obtenção de tão magro resultado por parte de Temer era improvável. E que se tal desidratação ocorresse, significaria a descida do país para algo entre o Cemitério de Fogo, o vale do Flegetonte, o Malebolge e o lago Cocite. São respectivamente o sexto, sétimo, oitavo e nono círculo do inferno de Dante, correspondentes aos pecados da heresia, violência, fraude e traição. Punições no grau máximo de severidade, acima das previstas para pecados ligados à gastança e a roubalheira, como a luxúria, a gula e a ganância.
Agora o panorama é outro. Menciona-se o excesso de liquidez no cenário externo, a situação contrastante da paz no balanço de pagamentos diante da deterioração fiscal, e, afinal de contas, colocar um limite de idade para a aposentadoria já será um feito e 2019 está logo ali na esquina. Fala-se, com convicção, no cenário econômico descolado da incerteza política.
Se Temer não puder entregar mais nada, o próximo presidente o fará, porque nada mais poderá fazer: a gravidade da situação fiscal vai impor uma agenda de reformas que os principais postulantes em 2018 abraçarão. Inclusive Lula, que manteria Henrique Meirelles na Fazenda para pacificar o mercado. Inclusive, há quem tenha ouvido isso, Jair Bolsonaro, que fala em privatizações e demarca distância da extrema-direita nacionalista de corte europeu dos anos 30. É isso mesmo: Lula e Bolsonaro poderiam adotar agendas amigáveis ao mercado.
Mas é evidente que nenhum deles prevalecerá, porque a agenda da sociedade brasileira abomina os extremos e os moderados Geraldo Alckmin e João Doria irão para o primeiro plano. Se patinam em torno de 10% nas pesquisas atualmente, esta é uma situação momentânea, fugaz. No fim, tudo vai dar certo.
Neste ambiente estranho dos dias de hoje, os mais pessimistas estão tímidos no meio empresarial, quase pedindo desculpas pelo ceticismo. Em evento promovido pelo Instituto Millenium, o presidente do Conselho Klabin, Horacio Lafer Piva, comentou que será difícil atravessar o Vale da Morte sem estabilidade política real. Ele disse que há uma crise de representatividade inclusive no setor empresarial, que o PSDB errou ao não retirar o apoio a Temer assim que a mais recente onda de denúncias começou e que do ponto de vista empresarial a ocasião é propícia para ficar quieto, diminuir custos e reduzir endividamento. Enfim, é preciso buscar a capa e as galochas porque vai chover e não há abrigo. (veja entrevista em vídeo com o empresário no site do Valor, em que ele menciona alguns desses conceitos).
Para um executivo do setor financeiro tradicionalmente visto como um Velho do Restelo, a explicação para tanta auto-ilusão não é falta de visão ou consumo de rivotril durante o dia: trata-se de uma questão de posicionamento. Os preços do mercado não estão reagindo no momento à deterioração dos fundamentos, porque houve uma mudança de narrativa.
É preciso sustentar agora a retomada de confiança no ano passado, logo após o impeachment, porque a virada de percepção implicará na arbitragem de perdas.
Haverá um momento em que as apostas que foram feitas lá atrás, referentes a juros, inflação, moeda, serão zeradas. Será a hora de se fazer uma nova precificação. E aí sim os descaminhos serão cobrados.
O grande impacto dos escândalos em série na economia brasileira é que eles desencadeiam acontecimentos perturbadores que impedem a estabilidade política.
Como a sessão de ontem no Supremo Tribunal Federal atestou uma vez mais, não se consegue "estancar a sangria" mencionada no imortal diálogo entre Sérgio Machado e Romero Jucá.
É pouco provável que se detenha a marcha, sobreviva ou não Temer às denúncias que serão apresentadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Aposta-se que ele irá sobreviver, mas há muitas perguntas sobre como seria um governo de Rodrigo Maia. A conclusão é que seria um governo encurralado pelas malfeitorias praticadas em verões passados.
O ciclo de poder dos infectados pelo capitalismo de quadrilha, para usar uma expressão do economista Gustavo Franco, ainda não foi concluído e a eleição de 2018 tende a manter a incerteza. Se o escolhido pelo povo representar uma força tradicional na política, com capacidade de estabelecer alianças dentro e fora do Congresso, como é o caso de Lula e dos tucanos, estará optando por alguém maculado pela investigação, diretamente ou associado a quem esteja. Caso a opção vá para uma novidade, ela não terá os meios para formar consensos e maioria.
Tanto em um caso como em outro, a instabilidade permanecerá. E o próximo presidente, seja quem for, será acusado de fazer um estelionato eleitoral. Talvez não relance as reformas, mas com certeza não irá abraçar uma plataforma expansionista, ainda que esteja obrigado a rever o teto de gastos fiscais, uma miragem inexequível em que Temer gastou um capital político precioso no ano que passou. O aumento da carga tributária será um imperativo.
A pouca gordura que o eleito em 2018 terá precisará ser gasta em uma agenda econômica de ajuste talvez mais radical que a tentada na quadra atual. Não se escolhe uma presidente como Dilma duas vezes nas urnas sem se pagar um preço alto por isso. Como tampouco é possível sair sem sequelas de uma presidência de Michel Temer. Na Divina Comédia, é logo no primeiro parágrafo que o poeta constata que no meio do caminho de sua vida estava em uma selva tenebrosa, em que a estrada reta havia sido perdida. A passagem pelo Inferno dura mais 251 páginas. Mas termina com o protagonista e seu guia divisando de novo as estrelas.
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