- Valor Econômico
Não está na economia a chave para Temer ficar no poder
O presidente Michel Temer recebeu ontem a "boa notícia" que tanto ansiava. No fio da navalha há mais de duas semanas, o presidente acena com a economia como antídoto para a falta de opções que dispõe no plano político. Guardadas as proporções devidas, Temer tenta justificar sua permanência para que não se interrompa um suposto processo de recuperação econômica, na mesma linha do "espetáculo do crescimento" que ajudou a segurar Luiz Inácio Lula da Silva no cargo no segundo semestre de 2005 e na eleição presidencial do ano seguinte.
A recuperação do PIB, a inflação em baixa, a entrada de investimentos, a perspectiva de retomada da geração de empregos, tudo isso foi um fator na década passada para que a crise do mensalão não derivasse na perda do poder pelo PT. A crise de 12 anos atrás começou com uma denúncia de compra de votos no Legislativo, mas mudou de escala quando o marqueteiro Duda Mendonça disse que recebeu pela campanha presidencial de 2002 em uma conta no exterior. Era base para questionar não só a permanência de Lula no poder mas também a sua sucessão pelo vice José Alencar, eleito na mesma chapa.
Não vale a pena se estender nesta coluna sobre os motivos que levaram a oposição de então a não apostar no impeachment. Nas urnas, Lula conseguiu o segundo mandato porque vendeu-se como o fiador de uma recuperação econômica que era perceptível.
Reeleição de Temer em 2018 é algo fora de questão há muito tempo. A moeda de troca que o presidente sempre teve a oferecer, sem trocadilho com o noticiário atual, foi apresentar-se como o novo Itamar Franco: alguém que prepara o terreno para a eleição de um presidente profundamente comprometido com o mercado, preferencialmente tucano, depois de "colocar o país nos trilhos", como ele sempre reitera em seus discursos.
É nesta circunstância, em meio a jantares e solenidades que chamam mais atenção pelas ausências do que pelas demonstrações de lastro político, que Temer e seus principais ministros festejaram o 1% de crescimento do PIB no primeiro trimestre, em comparação com o último do ano passado.
O presidente proclamou o fim da recessão em um instante em que o PIB anualizado marca uma retração de 2,3% quando se leva em consideração o resultado dos últimos 12 meses acumulados, o que já é um avanço, porque o país vinha em uma marcha a ré da ordem de 3% a 4%. Mas, como assinalou a jornalista Denise Neumann no Valor PRO, não há segurança de que se entrou em uma trajetória sustentável até mesmo para a repetição de avanços tímidos como o atual. A recuperação está muito ancorada no comércio exterior e no desempenho do setor agrícola. Assim, além das dúvidas sobre a sustentabilidade, é uma recuperação que, no curto e médio prazo, não criará empregos.
Na hipótese do bom resultado ser produto de um vento de cauda que vem de fora, por que considerar que a presença de Temer na Presidência é tão importante assim para dar solidez a esse processo? Não há de ser o 1% no PIB que irá interromper a perplexidade da classe política, incapaz de pactuar qualquer estratégia para barrar o anjo exterminador da Lava-Jato.
O presidente mantém-se firme no cargo por dois motivos: é necessário um nível de entendimento mínimo entre as forças partidárias para que uma crise política se resolva com uma saída política e não há ambiente, nem disposição até onde se enxergue, em se transformar o Judiciário em um Poder Moderador para solucionar o impasse. Como a Praça Tahrir continua do outro lado do globo, ruptura institucional pela força das ruas é devaneio ou pesadelo, dependendo da perspectiva que se olhe, mas em todo caso algo irreal.
Tribunais de contas
Se há instrumentos de controle institucional no Brasil em descompasso com os demais, são os tribunais de contas, tanto os regionais quanto o Tribunal de Contas da União, mas de forma mais acentuada no primeiro caso. A ingerência política que levou a para dentro das cortes especializadas nos Estados fazendeiros, bicheiros, taxistas, primeiras-damas e deputados aposentados pelas urnas tornou-as capturadas por chefetes locais.
O panorama no Tribunal de Contas da União também é delicado: quatro dos nove ministros figuram no noticiário dos investigados da Lava-Jato e operações relacionadas, diretamente ou devido a envolvimento de parentes. A implosão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, com cinco dos sete conselheiros presos na Operação Quinto do Ouro, abriu a oportunidade para uma ofensiva.
O enfraquecimento da classe política como um todo faz com que o Ministério Público de Contas procure avançar sobre esta reserva de poder compartilhada entre Executivo e Legislativo.
O procurador de contas Julio Marcelo de Oliveira, com apoio de um grupo de procuradores do Ministério Público como Laila Shukair e Roberto Livianu tenta impulsionar uma emenda constitucional para blindar as cortes fiscalizadoras de indicações políticas.
A PEC 329, apresentada pelo ex-deputado Francisco Praciano (PT-AM), patina na Câmara desde 2013 sem sair da Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Além de reservar quatro cadeiras de conselheiros para funcionários de carreira, uma outra para os conselhos de profissões regulamentadas envolvidas na atividade, uma para o Ministério Público de Contas e outra para auditores, a PEC ainda estabelece o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão de controle dos tribunais de contas. Outra PEC, no Senado, de autoria de Ricardo Ferraço (PSDB-ES), fixa um prazo para o Congresso Nacional votar o parecer das contas presidenciais e cria um padrão nacional para os tribunais regionais. A proposta de Ferraço igualmente dormita na CCJ do Senado.
Julio Marcelo ganhou dimensão política depois de ter sido um protagonista no processo de investigação das pedaladas que embasaram o impeachment de Dilma Rousseff no ano passado e catalisa a articulação para que se rompa este longo sono no Congresso.
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