- O Globo
O debate sobre o foro privilegiado avança apesar de tudo, e a maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal parece que vai apoiar a tese do ministro Luís Roberto Barroso, que restringe a proteção por prerrogativa de função aos casos inerentes ao mandato. A questão agora é saber se o ministro Alexandre de Moraes, que pediu vista depois de praticamente antecipar seu voto contrário ao relator, vai “sentar em cima” do processo ou se, como prometeu, o liberará rapidamente para o fim do julgamento.
Um pedido de vista num processo que envolve matéria probatória é razoável. Mas quando um constitucionalista renomado como Alexandre de Moraes julga um tema tão conhecido como o juízo por prerrogativa de função, é inusitado.
Já são quatro votos a favor da tese central de Barroso, e provavelmente os ministros Edson Fachin e Celso de Mello se aliarão a ela. O ministro Luiz Fux, quando participou do debate lateral em torno da eficiência ou não do Supremo no julgamento de casos criminais de políticos com foro privilegiado, ressaltou que esse não era o cerne da questão, dando a entender que a redução da amplitude do foro é que estava em julgamento.
Ele explicou as diferenças do volume de processos do Supremo para a Justiça de primeira instância, lembrando que o STF trata de assuntos diversos ao mesmo tempo em que tem sob sua guarda os processos de foro privilegiado dos políticos. O ministro Gilmar Mendes tentou levar a discussão para o plano corporativo, como se defendesse a credibilidade do Supremo Tribunal Federal atacada por críticos que o veem como um porto seguro para os políticos.
Para tanto, voltou a criticar a pesquisa do Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio, que demonstra que grande parte dos processos de foro privilegiado encaminhados ao STF prescreve por diversas razões, pela falta de estrutura da instituição para tratar de tantos casos policiais envolvendo políticos e suas conexões.
O ministro Gilmar Mendes alegou que muitas vezes as investigações são incompletas ou demoradas, e que esse ônus é da Polícia Federal e do Ministério Público, e não do Supremo. Não se debatia ali, no entanto, culpas pela demora, nem simplesmente a necessidade de aliviar o STF dessas questões burocráticas, embora este seja um saudável efeito colateral da restrição do foro privilegiado.
O que está em julgamento, como salientou o ministro Luiz Fux, é o fato de que hoje o foro privilegiado cuida da proteção das pessoas que exercem o cargo, e não do cargo em si. Para se ter uma ideia, há processos no Supremo de deputado acusado de assédio sexual, que claramente deveria estar na primeira instância.
O ministro Alexandre de Moraes, a certa altura de seu pronunciamento, ressaltou o que considerou uma incoerência dos principais jornais do país que hoje criticam o STF e em 2012 foram contrários ao desmembramento do processo do mensalão e defenderam a permanência integral do processo no Supremo, considerado uma garantia de julgamento imparcial e apolítico.
Não há, no entanto, nenhuma incoerência nisso. Os jornais apenas apoiavam uma atitude inovadora do Supremo, que se dedicou durante meses exclusivamente ao caso do mensalão, conseguindo concluir um julgamento que estava prestes a prescrever justamente devido aos problemas que continuam impedindo hoje uma decisão mais rápida no petrolão.
Para ter o grau de efetividade no processo do mensalão, o Supremo, graças a uma decisão memorável do então presidente Ayres Britto, teve que sair de sua rotina e estabelecer uma interrupção na análise de vários outros processos para se dedicar exclusivamente ao mensalão.
Do outro lado da rua, o Congresso Nacional também trata do assunto, de maneira mais ampla. Reagindo à ação do STF, que cuida apenas da redução do foro para os parlamentares, resolveu fazer uma emenda constitucional acabando com o foro por prerrogativa de função para todos, com exceção dos presidentes dos três Poderes.
Essa PEC foi aprovada em segunda votação no Senado e agora está indo para a Câmara. Pode ser que lá e no STF a questão seja travada propositalmente, para que o foro não seja alterado. Mas, se valesse hoje a PEC aprovada pelo Senado, qualquer autoridade passaria a ser processada na primeira instância, inclusive deputados e senadores, que poderiam ser presos preventivamente por determinação de um juiz ou em definitivo depois de condenados em segunda instância, como qualquer cidadão.
Como sempre, porém, há interpretações que protegem suas excelências. Pela PEC, acabou o foro privilegiado, mas a Constituição determina que um deputado ou senador só pode ser preso “em flagrante de crime inafiançável”, e que a Câmara ou o Senado precisam autorizar esta prisão. Essa parte constitucional não foi alterada pela PEC do fim do foro, o que cria uma ambiguidade que protege ainda os parlamentares.
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