Por Sergio Lamucci, Ligia Guimarães, Robson Sales e Alessandra Saraiva | Valor Econômico
SÃO PAULO E RIO - A economia brasileira cresceu 1% no primeiro trimestre, quando comparada aos três meses anteriores, registrando a primeira alta em dois anos. O avanço do PIB foi uma boa notícia, mas a abertura dos dados mostra um quadro menos animador. O bom desempenho foi liderado pela agropecuária, que teve um salto de 13,4%. "A agropecuária está na oferta, nos estoques e nas exportações", diz Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon.
Pelo lado da demanda, o setor externo também ajudou, com o aumento das exportações superando o das importações. Já a demanda interna desapontou mais uma vez, tendo em vista que muitas empresas e famílias ainda têm dívidas elevadas. A taxa de investimento da economia, medida pela Formação Bruta de Capital Fixo, isto é, a compra de máquinas e equipamentos e os gastos com construção, caiu 1,6% sobre o trimestre anterior, um desempenho bem pior que a média projetada, de -0,3% conforme analistas ouvidos pelo Valor Data. Foi o 13º resultado negativo em 14 trimestres. Já o consumo das famílias recuou 0,1% e o consumo do governo, 0,6%.
O economista Régis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, afirma que é prematuro concluir que a economia já tenha entrado em trajetória de expansão. "É muito cedo para dizer que a recessão acabou", disse ao Valor.
Há uma possibilidade considerável de que a recuperação esboçada no primeiro trimestre seja interrompida no segundo. Essa expectativa, compartilhada inclusive pelo Ministério da Fazenda, já existia há algumas semanas.
Agora, diante da crise política que ameaça o mandato do presidente Michel Temer, as empresas voltaram a segurar os investimentos, levando os analistas a acreditar que o PIB voltará ao vermelho entre abril e junho. "Em que pese ser bom", diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o resultado do PIB no primeiro trimestre "cheira a velho a esta altura".
Agro sustenta primeira alta do PIB em dois anos
A economia brasileira cresceu no primeiro trimestre 1% em relação aos três meses anteriores, feito o ajuste sazonal, registrando a primeira alta em dois anos. O avanço do PIB foi uma boa notícia, mas a abertura dos dados mostra um quadro bem menos animador, com o bom desempenho muito concentrado na agropecuária, que teve um salto de 13,4% sobre o trimestre anterior. "A agropecuária está na oferta, nos estoques e nas exportações", diz Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon, para resumir a importância do setor para o avanço do PIB de janeiro a março.
Pelo lado da demanda, o setor externo também ajudou, com o aumento das exportações superando o das importações. Já a demanda interna desapontou mais uma vez, num cenário em que muitas empresas e famílias ainda têm dívidas elevadas, embora o ciclo de redução dos juros em curso ajude a aliviar a situação financeira das companhias e dos consumidores. O investimento caiu 1,6% sobre o trimestre anterior, um número bem pior que um recuo de 0,3%, a média das projeções dos analistas ouvidos pelo Valor Data. Foi o 13º tombo dos últimos 14 trimestres. O consumo das famílias, por sua vez, teve queda de 0,1% e o consumo do governo, de 0,6%.
Além da composição um tanto decepcionante do crescimento, há uma possibilidade considerável de que a recuperação seja interrompida no segundo trimestre, ainda mais depois do surgimento da nova crise política. Uma variação negativa do PIB no intervalo de abril a junho é a aposta de vários analistas. É o caso, por exemplo, do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que projeta recuo de 0,8% em relação ao trimestre anterior.
"Em que pese ser bom", o resultado do PIB do primeiro trimestre "cheira a velho a esta altura", diz Vale, que revisou a projeção para o PIB em 2017 de um crescimento de 1% para zero. A confiança de empresários e consumidores, que estava em processo de melhora, deve ser atingida pelo cenário de incerteza causada pela divulgação da conversa comprometedora entre o presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS.
Mesmo antes da crise política, a avaliação dominante era de que haveria uma forte desaceleração do PIB no segundo trimestre. "A principal causa é a reversão dos dois principais fatores que contribuíram para a alta do PIB no primeiro trimestre", escreve o economista Artur Manoel Passos, do Itaú Unibanco. A produção agropecuária, nota ele, deve ter uma "ligeira contribuição negativa", depois do crescimento superior a dois dígitos registrada de janeiro a março. Na média deste ano, porém, a alta deve ser muito expressiva - a MB projeta expansão de 10,9%.
Além disso, a chance de um recuo da indústria no período de abril a junho é considerável. Com o tombo da produção industrial em março, de 0,9%, a herança estatística para o segundo trimestre ficou negativa em 1,2%. Isso significa que, se a indústria não crescer em relação ao nível registrado em março, haverá uma queda no período de abril a junho de 1,2% em relação aos três meses anteriores. Outro ponto é que os indicadores de abril e maio não são dos melhores (ver tabela).
No primeiro trimestre, o destaque absoluto foi a agropecuária, como ressalta Montero. Houve uma alta de 13,4% sobre o quarto trimestre do ano passado, feito o ajuste sazonal, e de 15,2% sobre igual período do ano passado. Pelas projeções do IBGE, a safra deve crescer 26,2% neste ano. Montero destaca o efeito da agropecuária sobre o PIB. Ainda que tenha um peso pequeno na economia, essa oferta precisa ser comercializada e transportada, refletindo-se nos serviços, processada (o que ocorre na indústria), armazenada, consumida ou exportada (o que aparece na demanda), diz ele.
Ainda pelo lado da oferta, a indústria cresceu 0,9% sobre o trimestre anterior, enquanto os serviços tiveram variação zero. No PIB industrial, um dos destaques positivos foi da produção extrativa mineral, como nota a LCA Consultores. "Esse resultado foi garantido pela produção de petróleo e gás (graças ao avanço na exploração do pré-sal) e de minério de ferro, muito impulsionada pela expansão das atividades da Vale no Pará, relacionada ao projeto S11D, que começou a operar no quarto trimestre de 2016.", aponta a consultoria.
A indústria de transformação subiu 0,9%, "puxada pelo desempenho mais positivo da produção de bens finais (bens de capital e de consumo), beneficiada pelo processo de ajustamento de estoques, pela desvalorização cambial e pelos efeitos indiretos da safra recorde", segundo a LCA.
Com maior peso no PIB, os serviços ficaram estáveis. É um desempenho melhor que o recuo de 0,5% registrado no quarto trimestre do ano passado, mas mostra a dificuldade de reação do principal componente do PIB pelo lado da oferta.
Pelo lado da demanda, o crescimento de 1% no primeiro trimestre foi sustentado por uma grande contribuição da variação de estoques. Nas contas do diretor de pesquisa para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, essa contribuição foi de 1,13 ponto percentual para o PIB, na comparação com o trimestre anterior. A chamada demanda interna final - consumo das famílias, consumo do governo e investimento - retirou cerca de 0,5 ponto, segundo Ramos. Já o setor externo contribuiu positivamente com 0,41 ponto, calcula ele (eventuais diferenças na soma se devem a arredondamentos). No trimestre, houve uma alta de 4,8% das exportações de bens e serviços, superior ao aumento de 1,8% das importações.
Ao analisar o que está por trás da contribuição positiva da variação de estoques, Montero destaca especialmente em uma safra agrícola, cuja "armazenagem faz parte do ciclo produtivo antes do destino final", além da retomada da extração de petróleo e de minério.
Segundo analistas, o principal estímulo para a retomada neste ano e no próximo precisaria vir da política monetária. Os juros estão em queda desde outubro do ano passado, e tendem a encerrar o ano abaixo de dois dígitos. O problema é que a crise política já afetou a ação do BC. A possibilidade de uma Selic na casa de 8% ou menos do que isso ainda neste ano saiu do radar da maior parte dos economistas. Na reunião de anteontem, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve o ritmo de corte dos juros em 1 ponto percentual, em vez de ter baixado 1,25 ponto, como se esperava antes da nova crise. Além disso, indicou que vai reduzir a velocidade de queda, possivelmente para 0,75 ponto, num quadro de maior incerteza quanto à aprovação das reformas.
Com isso, o estímulo monetário será menor do que se esperava antes do novo imbróglio político, o que deve se refletir numa recuperação com menos força. Um novo tombo do PIB em 2017, depois da queda de 3,8% em 2015 e de 3,6% em 2016, é uma possibilidade.
Nesse ambiente, a retomada do investimento pode demorar ainda mais. Uma queda menos acentuada dos juros e incertezas devido ao prolongamento da crise política tendem a dificultar a melhora da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção e pesquisa), que mostra um péssimo desempenho há mais de três anos. Com a exceção da alta de 0,1% do segundo trimestre de 2016, o investimento está em queda desde o quarto trimestre de 2013, na comparação com o trimestre anterior. Para ter uma ideia do estrago, a FBCF caiu quase 30% em relação ao nível do terceiro trimestre de 2013. O consumo das famílias também vai mal. Recua há nove trimestres seguidos, e está 9,7% abaixo do pico alcançado no terceiro trimestre de 2014.
Outra medida do tamanho da recessão é o que ocorreu com o PIB per capita. O Brasil precisará de pelo menos mais cinco anos de crescimento - considerando que se concretizem os cenários mais otimistas - para que o indicador volte aos níveis em que estava em 2014, antes da recessão, de acordo com estimativas da LCA. "Estamos falando de pelo menos mais cinco anos de uma recuperação que não vai trazer, em termos de renda e bem-estar, o mesmo nível que a gente observava antes da crise. É uma recuperação bastante fraca", diz o Thovan Tucakov, da LCA.
De acordo com cálculos do analista, o PIB per capita em cresceu 0,9% no primeiro trimestre de 2017 sobre o trimestre anterior, em termos dessazonalizados, após cair ininterruptamente desde o segundo trimestre de 2014. Naquele ano, antes da crise, o PIB per capita brasileiro era R$ 28.500, em reais de 2014. "E estamos falando desses R$ 28.500 lá em 2021", diz ele.
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