Correio Braziliense
Muita gente associa deriva a desgoverno, mas são coisas muito diferentes. Desgoverno é ficar à matroca, ou seja, ao sabor das ondas. Deriva, não; é manter a proa numa determinada direção e ser arrastado pela corrente para outra direção. Quanto maior a distância percorrida, mais distante fica o destino original, embora se tenha a impressão de que o rumo não foi alterado. Essa é a situação do governo Temer. Para se blindar contra a Operação Lava-Jato, começa a ser arrastado para longe do ajuste fiscal e das reformas.
Diante dos sinais de que os partidos aliados podem vir a desembarcar do governo, Temer começa a realinhar a sua base no Congresso, reforçando a centralidade do PMDB e as alianças mais conservadoras, uma vez que o PSDB, principalmente na Câmara, emite sinais de que pode deixar o governo se não houver o julgamento das contas de campanha da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A deriva é resultado das concessões que o presidente está sendo obrigado a fazer em termos de liberação de recursos e nomeações para os demais partidos aliados e, também, em relação às reformas da Previdência e trabalhista. Os bons resultados da economia, que deveriam sinalizar positivamente para os investidores, começam a ser neutralizados pelo ambiente de incerteza política, pela expansão dos gastos públicos e o atraso na aprovação das reformas. No fundo, a capacidade de sobrevivência do governo está à prova.
Com relação ao julgamento da próxima semana, há três cenários possíveis. O melhor para Michel Temer é concluir o julgamento com uma sentença favorável à separação das contas de Dilma Rousseff ou o simples arquivamento do processo, por perda de objeto, uma vez que a petista não é mais presidente. As duas interpretações, porém, seriam um verdadeiro cavalo de pau jurídico, se considerarmos a jurisprudência do tribunal.
O caso mais emblemático é a cassação do governador do Amazonas, José Melo (Pros), e do vice, Henrique Oliveira (SD), por compra de votos nas eleições de 2014. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu a cassação, por 5 votos a 2, e ainda convocou eleições diretas no estado. O presidente da Assembleia Legislativa do Amazonas, David Almeida (PSD), assumiu o governo com prazo de 40 dias para realizá-las. No caso da Presidência, a Constituição prevê expressamente a realização de eleições indiretas no Congresso se a vacância ocorrer após dois anos de mandato.
Adiamento
Outro cenário é o adiamento do julgamento, em decorrência de um pedido de vista. Essa possibilidade é um vetor de instabilidade política da base do governo, que pode resultar no desembarque do PSDB. Desde o começo da semana, por essa razão, Temer se movimenta para blindar o governo. Para isso, é preciso reduzir a dependência do governo em relação ao PSDB e fortalecer os demais aliados, de maneira a que nada possa ser aprovado na Câmara ou no Senado contra o presidente da República, seja um improvável processo de impeachment — basta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSDB-RJ), mantê-los na gaveta —, seja uma autorização para que Temer seja processado.
O Palácio do Planalto teme que o Ministério Público Federal, no lusco-fusco do adiamento do julgamento do TSE, ofereça uma denúncia contra o presidente Temer, que seria mais um fator desestabilizador do governo. Segundo a Constituição, é preciso a aprovação de dois terços da Câmara dos Deputados para que o presidente da República seja submetido a julgamento por infrações penais comuns no Supremo Tribunal Federal. A mesma exigência vale para aprovação de um pedido de impeachment pela Câmara e pelo Senado, por crime de responsabilidade.
Temer não é Dilma Rousseff, que praticamente não tinha trânsito no Congresso; pelo contrário, sua base parlamentar não somente o levou à Presidência como é capaz de mantê-lo no cargo. O problema é que uma estratégia de resistência como essa, caso haja o desembarque da antiga oposição, leva seu governo numa direção completamente diversa daquela que o orienta hoje, ainda que a retórica seja a mesma.
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