- O Globo
Desdobramento da Mãos Limpas lembra o da Lava-Jato. Mais uma vez o cenário político internacional nos traz exemplos que podem servir de orientação sobre como tratar os graves problemas de financiamentos partidários e a corrupção na política. O caso da Operação Mãos Limpas, na Itália, guarda semelhanças com a nossa Operação Lava-Jato, e no momento vivemos um quadro de forças políticas antagônicas se unindo contra as investigações, do mesmo modo que aconteceu na Itália.
Já a morte do ex-chanceler Helmut Kohl traz à baila, como um tema colateral mas que fala muito de perto a nós brasileiros, o caso de financiamento partidário através de um esquema de caixa dois que o colocou fora do poder na União Democrata Cristã (CDU), depois de ter sido o chanceler por 16 anos.
Apesar de um legado extraordinário, como a queda do muro de Berlim e a reunificação alemã, no ano seguinte, e de ter sido um dos pilares da integração europeia, Kohl não foi poupado por seus companheiros, que preferiram salvar o partido a morrer afogados com seu líder.
Kohl enfrentou acusações de financiamentos irregulares para campanhas eleitorais do CDU e acabou perdendo até mesmo a presidência honorária do partido. Destacou-se no confronto interno uma novata política chamada Angela Merkel, que contara com o apoio do próprio Kohl dentro do partido, vinda da atividade política do Leste após a reunificação alemã.
Ela escreveu um artigo sobre o escândalo no influente jornal “Frankfurter Allgemeine Zeitung”, rompendo com seu protetor, assumindo depois a liderança do partido e tornando-se a chanceler alemã desde 2005.
Já na Itália, o Partido Socialista Italiano (PSI) sofreu grave crise financeira diante da devassa da Operação Mãos Limpas, que desvelou um grande esquema de corrupção política, e em 1994 foi dissolvido num Congresso partidário, somente voltando a existir como PSI em 2009. Bettino Craxi, líder do Partido Socialista Italiano e ex-primeiro-ministro, foi um dos principais alvos da Operação Mãos Limpas.
O juiz Sergio Moro, em um artigo que escreveu sobre a Operação Mãos Limpas, ressalta que Craxi, já ameaçado pelas investigações e depois de negar várias vezes seu envolvimento, reconheceu “cinicamente” a prática disseminada das doações partidárias ilegais em famoso discurso no Parlamento italiano, em 3/7/1992, usando argumentos muito semelhantes aos que os partidos brasileiros vêm usando:
(...) O que é necessário dizer e que, de todo modo, todo mundo sabe, é que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal. Os partidos e aqueles que dependem da máquina partidária (grande, média ou pequena), de jornais, de propaganda, atividades associativas ou promocionais... têm recorrido a recursos adicionais irregulares. (...)
Em dezembro de 1992, relata Moro, Craxi recebeu seu primeiro avviso di garanzia, um documento de 18 páginas no qual era acusado de corrupção, extorsão e violação da lei reguladora do financiamento de campanhas. A acusação tinha por base, entre outras provas, a confissão de Salvatore Ligresti, suposto amigo de Craxi preso em julho de 1992, de que o grupo empresarial de sua propriedade teria pagado aproximadamente US$ 500 mil desde 1985 ao PSI, para ingressar e manter-se em grupo de empresários amigos do partido.
Na segunda semana de janeiro de 1993, Craxi recebeu o segundo avviso di garanzia, com acusações de que a propina teria também como beneficiário o próprio Craxi, e não só o PSI. Os pagamentos seriam feitos a Silvano Larini, que seria amigo próximo de Craxi. Larini e Filippo Panseca seriam os proprietários da empresa da qual Craxi alugaria suas mansões opulentas em Como, na Itália, e Hammamet, na Tunísia.
Craxi ainda recebeu novos avvisos de garanzia antes de renunciar ao posto de líder do PSI em fevereiro de 1993. Sua popularidade logo se transformou em repúdio, e certa ocasião foi alvejado por uma chuva de moedas na rua. Também viu seu nome envolvido no escândalo da Enimont, empresa química formada por joint venture da ENI (Ente Nazionale Idrocarburi), a empresa petrolífera estatal italiana, e a Montedison, empresa química subsidiária do grupo Ferruzzi (considerado o segundo maior da Itália após a Fiat).
O governo acabou comprando a parte da empresa privada, mas a preço superestimado que gerou o pagamento de cerca de US$ 100 milhões a vários líderes políticos, dentre eles Craxi. A Operação Mani Pulite também revelou que a ENI funcionaria como uma fonte de financiamento ilegal para os partidos; teria efetuado pagamentos mensais aos principais partidos políticos durante anos.
Bettino Craxi, diante das acusações e posteriores condenações, autoexilou-se, em 1994, na Tunísia, onde veio a morrer em 2000. Semelhanças com o caso brasileiro e nossos líderes políticos não são meras coincidências.
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