- O Estado de S. Paulo
Mercados ainda resistem à crise política, mas área fiscal expõe governo sob pressão
Na contramão do andamento da crise até recentemente, muitos analistas passavam metade do seu tempo rastreando sinais de que a economia brasileira descolou da política. E a outra metade atribuindo ao Congresso e aos lobbies corporativos grande parte dos males que têm acentuado a fragilidade do quadro fiscal, cada vez mais visível na prestação dos serviços públicos. Na quinta-feira, um segundo após o anúncio do aumento dos impostos sobre combustíveis, já pipocavam as avaliações de que a culpa por essa decisão da equipe econômica cabia principalmente aos aumentos fora de hora concedidos a servidores públicos e à redução de receitas, com a mudança feita no Congresso no programa de refinanciamento de dívidas tributárias, o Refis. Pergunta obrigatória: se isso não configura uma relação estreita entre política e economia, o que configuraria?
Os adeptos da tese do descolamento costumam se referir ao comportamento dos mercados, como se eles representassem o conjunto da economia. A leitura é simples. Se a crise política se arrasta e, mesmo assim, as bolsas não desabam e o dólar não dispara, estaria provado que a economia segue o próprio caminho. Será? Melhor olhar para os interesses específicos dos investidores e o cenário lá fora para encontrar outras razões que não sejam apenas a confiança na retomada, embora mais lenta, e na prioridade às reformas, ainda que minguadas, além de outras repetidas por aí.
Claro que esses componentes não devem ser desprezados, mas talvez se juntem a outros tão ou mais decisivos. É o caso da liquidez global e da perspectiva de manutenção dos juros nos EUA. Para completar o quadro, é o caso dos juros no Brasil – em trajetória de baixa, é verdade, mas ainda generosos para os investidores. Caso a alta de impostos não faça o Banco Central pôr de novo o pé no freio, a expectativa é que a taxa Selic caia mais um ponto porcentual na reunião do Copom desta semana, para 9,25%.
Olhando para fora do circuito estreito dos mercados, a união economia/política parece ainda mais clara. Nesse sentido, é exemplar a armadilha em que se colocou o governo para garantir a meta fiscal fixada para o ano, de um déficit de R$ 139 bilhões, numa conjuntura perversa que combina frustração das projeções de arrecadação e de gastos. Na sexta-feira, foi reduzida a previsão oficial de receitas para este ano em R$ 5,8 bilhões e elevada a estimativa de despesas em R$ 4,6 bilhões. As receitas ordinárias não crescem como o esperado, já que a retomada da economia se mostra frágil. As extraordinárias, sobre as quais se assenta a programação fiscal, também não entram nos cofres como o desejado – em muitos casos, porque o Congresso atropela as decisões do Executivo.
A reoneração da folha de pagamento de 50 setores, por exemplo, foi adiada para 2018 e, com isso, R$ 3,9 bilhões deixarão de reforçar a arrecadação deste ano. No caso do Refis, o relator fez alterações na proposta inicial e, se elas vingarem, em vez de R$ 13 bilhões, no máximo R$ 500 milhões pingarão em 2017. O governo ainda conta com o fato de que o prazo de adesão ao programa termina antes da MP perder a validade e, portanto, continuará a valer o que foi combinado antes das mudanças.
Mas o que escancarou, mesmo, a “dominância política” nos últimos dias foi a questão das despesas. É reconhecido que há pouco a se fazer nesse quesito, uma vez que itens como Previdência e pagamento de pessoal deixam pouco espaço para outros tipos de gastos. Mas isso não impediu que, nos dias que antecederam a votação da autorização para abertura de processo contra Temer, na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado, o governo destravasse perto de R$ 2 bilhões em emendas de parlamentares. Já estava na conta, argumentam técnicos. É inerente ao presidencialismo de coalização, dizem teóricos da política.
Não há, porém, quem convença a opinião pública de que é justo liberar emendas e aumentar impostos que vão atingir direta e indiretamente os consumidores. Ou que faz sentido, logo em seguida, decretar um bloqueio de gastos de R$ 5,9 bilhões. É mais ou menos como antecipar o pagamento de mesada para os filhos e, poucos dias depois, segurar o dinheiro para o lanche na escola. Ou o chefe da família não sabe planejar suas despesas ou não tem força para enfrentar a pressão dos filhos.
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