Para historiador, País vive ‘desencanto’ na política e Temer vai continuar ‘sangrando’ até as eleições de 2018
Wilson Tosta | O Estado de S.Paulo
RIO - O sepultamento da denúncia por corrupção passiva apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer aponta um futuro melancólico para o País, afirma o historiador José Murilo de Carvalho, de 77 anos. Sob o “desencanto” que se refletiu nas ruas vazias durante a votação na Câmara nesta quarta-feira, 2, os brasileiros enfrentarão maior probabilidade de Temer encerrar sua gestão sob contestação permanente. “(Temer) Recupera a parte (da governabilidade) perdida com a denúncia. A perspectiva de que outras denúncias prosperem ficam reduzidas.”
No entanto, avalia o historiador, haverá dificuldades para a aprovação das reformas. Entre as consequências de ter obtido 263 votos, insuficientes para aprovar propostas de emendas constitucionais, o presidente terá de recorrer a mais cargos e verbas para vencer votações decisivas. “Será uma batalha caso a caso, o que custará mais cargos, favores e verbas a serem pagos pelos contribuintes”.
José Murilo compara Temer, em impopularidade, ao presidente Campos Sales (1841-1913), o quarto presidente da República (de 1898 a 1902) que fez um ajuste econômico profundo e deixou o cargo sob vaias.
O PT, avalia, não deve estar insatisfeito com a derrota da Procuradoria Geral da República e com a continuidade do presidente em um governo impopular. Observa que o PSDB “se partiu ao meio”, por sua dificuldade em ter “posições claras”. “Ter um presidente sangrando e uma investigação enfraquecida são boas notícias para o PT e o fortalecem para as eleições de 2018”, avalia. A seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Estado:
A que atribuir o resultado da votação, com a vitória de Temer?
As duas razões principais foram o cansaço das ruas e a competência de Temer em manipular os recursos fisiológicos de nossa política.
Com este resultado, Temer sai fortalecido ou enfraquecido?
Sai com a força da vitória e a fraqueza da modéstia do placar.
O governo Temer é comparável a algum outro na República?
Não me ocorre caso semelhante. Campos Sales enfrentou enorme crise financeira e saiu vaiado do poder. Mas não foi acusado de corrupção.
O que se descortina agora para o Brasil, com essa vitória do presidente?
Um futuro melancólico: maior probabilidade de Temer cumprir o mandato sob fogo permanente; dúvidas sobre a aprovação das reformas em discussão; inexistência de candidatura convincente para 2018.
Nos últimos dias, Temer recorreu amplamente à distribuição de verbas e cargos para pavimentar essa vitória. Isso forma uma maioria sólida para o governo daqui para a frente ou foi pontual?
Mostrar serviço na aprovação das reformas propostas será essencial para a avaliação de sua gestão. Ele teve 263 votos na Câmara, suficientes para aprovar os projetos que não exijam emenda constitucional, mas não os que exigem. Será uma batalha caso a caso o que custará mais cargos, favores e verbas a serem pagos pelos contribuintes.
Com o resultado, a crise política acaba ou pelo menos diminui?
Creio que se chegou a uma situação meio bizarra. A polarização de 2016 reduziu-se. Quem combatia Dilma desapontou-se com o que veio depois dela, que era, afinal, previsível. Os defensores de Dilma perderam o argumento de perseguição a ela, Lula e ao PT ao verem a Lava Jato atingir as cúpulas do PMDB e do PSDB. Chegou-se ao desencanto generalizado, confirmado pela ausência das ruas na votação de quarta-feira. Por outro lado, partidos de oposição, sobretudo o PT, não devem estar muito insatisfeitos. A vitória de Temer foi uma derrota para a Procuradoria-Geral da República e para a Lava Jato em geral. Agradou a todos os acusados de malfeitos, do governo e da oposição. Ter um presidente sangrando e uma investigação enfraquecida são boas notícias para o PT e o fortalecem para as eleições de 2018.
Com essa vitória, o governo Temer recupera condições de governabilidade?
Recupera a parte perdida com a denúncia. A perspectiva de que outras denúncias prosperem ficam reduzidas.
Mesmo tendo apenas 5% de aprovação?
Muitos presidentes impopulares completaram seus mandatos, como o próprio Campos Sales. Temer é favorecido pela falta de alternativa satisfatória. Eleição direta agora é inviável, indireta é trocar seis por meia dúzia.
Com esta vitória, o governo terá forças retomar a agenda de reformas?
Ele não tem alternativa a não ser retomar a agenda. Se terá forças é outra história. Muitas reformas são impopulares, sobretudo a da Previdência.
E a oposição, como fica com esse resultado? Os votos que obteve sinalizam que ganhou fôlego?
A oposição decidiu dar quórum para a votação, contrariando planos em contrário, e com isso possibilitou a vitória de Temer, que traz vantagens para o PT, embora o partido não vá admitir isso publicamente. Quem não se beneficia é o PSDB que se partiu ao meio, confirmando a fama de não assumir posições claras.
O Brasil poderá agora superar o quadro de divisão política que enfrenta desde 2014?
A polarização foi reduzida, o que é bom. Mas foi reduzida graças ao desencanto, o que não é bom. Difícil saber o que é pior: polarização ou desencanto.
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