Contra o desejo da maioria dos brasileiros expresso em pesquisas, 263 deputados decidiram não autorizar que o presidente Michel Temer seja investigado por corrupção passiva pelo Supremo Tribunal Federal. Além da cumplicidade entre perseguidos pela Operação Lava-Jato, que já citou mais de uma centena de parlamentares, a vitória governista foi soldada com as moedas correntes em Brasília - cargos, verbas, poder. Temer conseguiu o alinhamento do PMDB com o centrão, siglas fisiológicas que antes davam seus votos aos governos petistas, para obter um pouco mais do que a maioria simples da Câmara dos Deputados e permanecer no Planalto - pelo menos até a próxima denúncia.
As barganhas com o governo, que montou sua barraca de emendas no próprio plenário durante a votação, e a própria sessão do Congresso demonstraram, mais uma vez, a alienação dos partidos e sua ausência de compromissos com o bem público. Com a União às voltas com uma crise fiscal grave, os deputados que votaram com Temer estavam mais preocupados com uma sinecura em terceiro escalão do governo, uma ponte em seu curral eleitoral e a liberação de uma emenda para outros interesses paroquiais.
Não se trata de um exercício sem consequências essa chantagem, que passa por jogo político em Brasília. O custo da permanência de Temer é alto. Os ruralistas obtiveram o rebaixamento da proteção de mais de 300 mil hectares da Floresta do Jamanxim e perdão de R$ 7,5 bilhões em dívidas com o Funrural, dinheiro que seria destinado à Previdência - aquela mesma que o governo pretende reformar. A própria fraqueza do governo leva-o a não enfrentar com decisão dissabores no Congresso que se traduzem em menos dinheiro nos cofres públicos. A bancada do calote, por exemplo, desfigurou o Refis e reduziu em R$ 14 bilhões a arrecadação esperada.
Os partidos do centrão são o que sempre foram. Seus votos vieram aos governos de turno com o mensalão, depois o petrolão e outras verbas mais. Mas a profundidade da crise política tem nesses oportunistas apenas um de seus capítulos. Os partidos mais estruturados, que supostamente defendem bandeiras modernizantes, não se distinguiram da mediocridade interessada dos deputados fisiológicos. O PSDB perdeu o rumo e para a maioria de seus deputados, não importam as pesadas suspeitas que recaem sobre o núcleo palaciano, e sim um programa de reformas que o presidente possa executar. O partido corre o risco de ficar sem a bandeira ética, que já abandonou na quarta-feira, e também sem as reformas.
O governo saiu enfraquecido da votação, apesar de toda a fanfarra oficial de que renascerá mais forte agora. A erosão da base de apoio é evidente - 227 deputados votaram contra ele, quase o dobro das forças próprias da oposição. A aprovação da reforma da previdência, a mais urgente, já era uma dúvida quando o governo tinha a iniciativa e fora capaz de aprovar um severo teto de gastos. Agora, terá de se transformar em uma reforma minimalista para passar pelo Congresso. Além disso, governos fracos são habitualmente pouco resistentes aos ataques ao cofres do Tesouro que virão na forma de barganhas por apoio político. Quando ficou refém do centrão, o governo de Dilma Rousseff acabou. Temer é muito mais hábil no jogo político, mas perdeu autoridade para ditar as regras do jogo.
O povo sumiu das ruas - menos um sinal de apatia do que de descrédito nas forças políticas. Direita, centro e PT estão imersos em denúncias de corrupção. Não surgiu um partido ou movimento a salvo dos desmoralizantes episódios revelados pela Lava-Jato com capacidade de mobilização ampla. Não surpreende: os políticos tem se comportado como farinha do mesmo saco.
Risco de descrédito ronda também as instituições. Com indícios fartos de irregularidades, o Tribunal Superior Eleitoral não condenou a chapa Dilma-Temer. Agora o Congresso deu salvo conduto ao presidente. Ainda que todos os seus auxiliares estejam às voltas com a Lava-Jato, Temer, no caso, não foi alvo da operação. Ele próprio se colocou sob terríveis suspeitas ao receber na calada da noite, para conversas reveladoras, um de seus doadores de campanha, Joesley Batista.
A Lava-Jato é uma caixa de surpresas e é impossível dizer que o governo de Temer pisa em chão firme a partir de agora. Ganhou sobrevida, que poderá ser maior se a economia claramente se recuperar.
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